quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Nobel de economia reconhece estudos socioambientais


Por Paula Scheidt

O prêmio foi entregue para a cientista social Elinor Ostrom em um claro sinal de que a ciência econômica precisa integrar outros conhecimentos e considerar a sabedoria local para lidar com desafios como o gerenciamento de recursos naturais

Por que algumas culturas identificam e se adaptam quando encaram limites ambientais enquanto outras entram em colapso? Quais os atributos para uma sustentabilidade de sucesso a longo prazo?

Estas são algumas perguntas que a economista política e cientista social Elinor Ostrom vêm se fazendo há alguns anos e foi justamente seus estudos sobre o uso cooperativo de bens comuns que a fez ganhar o prêmio Nobel de economia, dividido com o economista Oliver Williamson, que também estuda estruturas de governança para resolver conflitos de interesse.

Segundo a Academia Real de Ciências da Suécia, responsável pela entrega do Nobel, a pesquisadora norte-americana foi escolhida “por suas análises da economia da governança, especialmente dos comuns”. “Elinor demonstrou como as propriedades comuns podem ser gerenciada com sucesso por associações de usuários”, descreveram no anúncio da premiação.

Professora e pesquisadora da Universidade do Arizona (EUA), ela foi a primeira mulher a receber o Nobel de Economia. Elinor desafiou a teoria tradicional de que as propriedades comuns, como os recursos naturais, são mal administradas e deveriam ser ou reguladas por autoridades centrais ou privatizadas.

Em um dos seus mais recentes trabalhos publicado na revista Science em julho, ela cita estudos de diversos campos de conhecimento que chegaram à conclusão de que algumas políticas governamentais aceleram a destruição dos recursos, enquanto que, por outro lado, alguns usuários de recursos investem tempo e energia para alcançar a sustentabilidade.

Com base em diversos estudos sobre como pessoas comuns e funcionários públicos tentam solucionar problemas difíceis relacionados ao gerenciamento de recursos naturais, como estoques pesqueiros, pastagens, madeira e água, Elinor observou que quando trabalham em conjunto, eles desenvolvem mecanismos sofisticados para tomar as decisões e lidar com conflitos de interesse, construindo uma rede de confiança e respeito, o que os levam as soluções.

"Que um funcionário tenha um PHD não significa necessariamente que ele saiba mais que as pessoas que vivem de um recurso. (...) Há muito conhecimento local que temos que respeitar", afirmou nesta segunda-feira (12).

Elinor percebeu que as mudanças vinham quando os benefícios da sustentabilidade eram altos o suficiente para compensar os custos em atingi-la. Evitar o colapso ambiental, por exemplo, normalmente significa enfrentar perdas no presente, como suspender a pesca por alguns anos para restabelecer os estoques, em nome de um interesse comum a longo prazo.

A cientista, que é diretora fundadora do Centro de Estudos de Diversidade Institucional na Universidade do Arizona, identificou as 10 maiores variáveis que influenciam um grupo a se organizar para fazer sacrifícios agora e se tornar sustentável ou não: tamanho do sistema de recursos, produtividade dos recursos, previsibilidade da dinâmica do sistema, mobilidade das unidades de recursos, número de usuários, liderança e empreendedorismo, normas e capital social, conhecimento de sistemas sócio-ecológicos e modelos mentais e a importância do recurso.

Múltiplos conhecimentos

Elinor chamou a atenção também para a desconexão nas bases científicas usadas por diferentes campos de conhecimento, desde a biologia até a economia, quando estudam grande problemas, como a potencial perda de recursos hídricos e florestais. Sem um quadro comum de conceitos e linguagens para descrever e explicar cada descoberta sobre complexos sistemas sócio-ecológicos, o conhecimento isolado não irá se acumular e reverter em avanços.

Para a cientista, o interesse por esta visão de integração de conhecimentos está crescendo e uma rede internacional está se formando, com diversos grupos colaborando para desenvolver mais e aplicar este quadro geral de análise da sustentabilidade em sistemas sócio-ecológicos.

“Elinor não é apenas uma cientista brilhante e inovadora que, combinando de uma forma original abordagens na economia, antropologia e ciência política, abriu muitas novas perspectivas para estudos em instituições e políticas, mas ela também é uma cientista extremamente modesta e generosa, que se esforçou muito para compartilhar suas ideias com aqueles que as mais precisam, nos Estados Unidos e no mundo”, disse seu colega Sander van der Leeuw, que é diretor da Escola de Evolução Humana e Mudança Social da Universidade do Arizona.

Para Leeuw, ela é um exemplo do tipo de cientista que mais precisamos hoje: transdiciplinar e totalmente comprometida com as grandes questões que as sociedades precisam lidar hoje.

Fonte: CarbonoBrasil

Entrevista com Hobsbawm: ‘Crise ambiental é desafio central que enfrentamos no século XXI'


“Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta”. A afirmação é do historiador Eric Hosbsbawm em entrevista exclusiva à jornalista Verena Glass e publicada na Revista Sem Terra, maio/junho 2009.

O planeta vive hoje uma crise que abalou as estruturas do capitalismo mundial, atinge indiscriminadamente atores em nada responsáveis pela sua eclosão, e que talvez seja um dos mais importantes “feitos” da moderna globalização. Na sua avaliação, quais foram os fatores e mecanismos que levaram a esta situação?

Nos últimos quarenta anos, a globalização, viabilizada pela extraordinária revolução nos transportes e, sobretudo, nas comunicações, esteve combinada com a hegemonia de políticas de Estado neoliberais, favorecendo um mercado global irrestrito para o capital em busca de lucros. No setor financeiro, isto ocorreu de forma absoluta, o que explica porque a crise do desenvolvimento capitalista ocorreu ali. Apesar do fato de que o capitalismo sempre — e por natureza — opera por meio de uma sucessão de expansões geradoras de crises, isto criou uma crise maior e potencialmente ameaçadora para o sistema, comparável à Grande Depressão que se seguiu a 1929, mesmo que seja cedo para avaliarmos todo o seu impacto. Um problema maior tem sido que a tendência de declínio das margens de lucro, típico do capitalismo, tem sido particularmente dramática porque os operadores financeiros, acostumados a enormes ganhos com investimentos especulativos em épocas de crescimento econômico, têm buscado mantê-los a níveis insustentáveis, atirando-se em investimentos inseguros e de alto risco, a exemplo dos financiamentos imobiliários “subprime” nos EUA. Uma enorme dívida, pelo menos quarenta vezes maior do que a sua base econômica atual foi assim criada, e o destino disso era mesmo o colapso.

Como resposta à crise econômica, governos e instituições financeiras estão concentrados em salvar os sistemas bancário e financeiro, opção que tem sido considerada uma tentativa de cura do próprio vetor causador do mal. No que deve resultar este movimento?


Um sistema de crédito operante é essencial para qualquer país desenvolvido, e a crise atual demonstra que isso não é possível se o sistema bancário deixa de funcionar. Nesse sentido, as medidas nacionais para restaurá-lo são necessárias. Mas o que é preciso também é uma reestruturação do Estado por exemplo, através das nacionalizações, a “desfinanceirização” do sistema e a restauração de uma relação realista entre ativos e passivos econômicos. Isso não pode ser feito simplesmente combinando vastos subsídios para os bancos com uma regulação futura mais restrita. De toda forma, a depressão econômica não pode ser resolvida apenas via restauração do crédito. São essenciais medidas concretas para gerar emprego e renda para a população, de quem depende, em última instância, a prosperidade da economia global.



Antes de se agudizar o caos econômico, o mundo começou a sofrer uma sucessão de abalos sociais e ambientais, como a falta global de alimentos, as mudanças climáticas, a crise energética, as crises humanitárias decorrentes das guerras, entre outros. Como você avalia estes fatores na perspectiva do paradigma civilizatório e de desenvolvimento do capitalismo moderno?



Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a fórmula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado. Como esta transição ocorrerá ainda não está claro, mas se não ocorrer, haverá uma catástrofe.

O capitalismo tem adquirido, cada vez mais, uma força hegemônica na agricultura com o crescimento do agronegócio. Muitos defendem que a Reforma Agrária não cabe mais na agenda mundial. Como vê este debate e a luta pela terra de movimentos sociais como o MST e a Via Campesina?



A produção agrícola necessária para alimentar os seis bilhões de seres humanos do planeta pode ser fornecida por uma pequena fração da população mundial, se compararmos com o que era no passado. Isso levou tanto a um declínio dramático das populações rurais desde 1950, quanto a uma vasta migração do campo para as cidades. Também levou a um crescente domínio da agricultura por parte não tanto do grande agronegócio, mas principalmente de empreendimentos capitalistas que hoje controlam o mercado desta produção. Da mesma forma, têm aumentado os conflitos entre agricultores e iniciativas empresariais na disputa pela terra para propósitos não agrícolas (indústrias, mineração, especulação imobiliária, transporte etc.), bem como pela sua posse e pela exploração dos recursos naturais. A Reforma Agrária sem duvida não é mais tão importante para a política como foi há 40 anos, pelo menos Insustentável: crescimento econômico e da população colocam em risco o futuro da amizade na América Latina, mas claramente permanece uma questão central em muitos outros países. Na minha opinião, a crise atual reforça a importância da luta de movimentos como o MST, que é mais social do que econômica. Em tempos de vacas gordas é muito mais fácil ganhar a vida na cidade. Em tempos de depressão, a terra, a propriedade familiar e a comunidade garantem a segurança social e a solidariedade que o capitalismo neoliberal de mercado tão claramente nega aos migrantes rurais desempregados.

Na virada do século, um novo movimento global de resistência social tomou corpo através do que ficou conhecido como altermundialismo. Surgiu o Fórum Social Mundial, e grandes manifestações contra a guerra e instituições multilaterais, como a OMC, o G8 e a ALCA, na América Latina, ganharam as ruas. Na sua avaliação, o que resultou destes movimentos? E hoje, como vê estas iniciativas?

O movimento global de resistência altermundialista merece o crédito de duas grandes conquistas: na política, ressuscitou a rejeição sistemática e a crítica ao capitalismo que os velhos partidos de esquerda deixaram atrofiar. Também foi pioneiro na criação de um modo de ação política global sem precedentes, que superou fronteiras nacionais nas manifestações de Seattle e nas que se seguiram. Grosso modo, logrou formular e mobilizar uma poderosa opinião pública que seriamente pôs em cheque a ordem mundial neoliberal, mesmo antes da implosão econômica. Seu programa propositivo, porém, tem sido menos efetivo, em função, talvez, do grande número de componentes ideologicamente e emocionalmente diversos dos movimentos, unificados apenas em aspirações muito generalistas ou ações pontuais em ocasiões específicas.

Principalmente na América Latina, os anos 2000 trouxeram uma série de mudanças políticas para a região com a eleição de governadores mais progressistas. A sociedade civil organizada ganhou espaço nos debates políticos, mas os avanços na garantia dos direitos sociais ainda esperam por uma maior concretização. Como analisa este fenômeno?



O fator mais positivo para a América Latina é a diminuição efetiva da influência política e ideológica — e, na América do Sul, também econômica — dos EUA. Um segundo fator muito importante é o surgimento de governos progressistas — novamente mais fortes na América do Sul — , inspirados pela grande tradição da igualdade, fraternidade e liberdade, que comprovadamente está mais viva aí do que em outras regiões do mundo neste momento. Estes novos regimes têm se beneficiado de um período de altos preços de seus bens de exportação. Quão profundamente serão afetados pela crise econômica, principalmente o Brasil e a Venezuela, ainda não está claro. Suas políticas têm logrado algumas melhorias sociais genuínas, mas até agora não reduziram significativamente as enormes desigualdades econômicas e sociais de seus países. Esta redução deve permanecer a maior prioridade de governos e movimentos progressistas.

Diante da crise civilizatória, do fracasso do capitalismo e da inoperância dos sistemas multilaterais, que não foram aptos a enfrentar as grandes questões mundiais, as esquerdas têm se debatido na busca de alternativas; mas nem consensos nem respostas parecem despontar no horizonte. Haveria, em sua opinião, a possibilidade real da construção de um novo socialismo, uma nova forma de lidar com o planeta e sua gente, capaz de enfrentar a hegemonia bélica, econômica e política do neoliberalismo?

Eu não acredito que exista uma oposição binária simples entre “um novo socialismo” e a “hegemonia do capitalismo”. Não existe apenas uma forma de capitalismo. A tentativa de aplicar um modelo único, o “fundamentalismo de mercado” global anglo-americano, é uma aberração histórica, que potencialmente colapsou agora e não pode ser reconstruída. Por outro lado, o mesmo ocorre com a tentativa de identificar o socialismo unicamente com a economia centralizada planejada pelo Estado dos períodos soviético e maoísta. Esta também já era (exceto talvez se nosso século for reviver os períodos temporários de guerra total do século 20). Depois da atual crise, o capitalismo não vai desaparecer. Vai se ajustar a uma nova era de economias que combinarão atividades econômicas públicas e privadas. Mas o novo tipo de sistemas mistos tem que ir além das várias formas de “capitalismo de bem estar” que dominou as economias desenvolvidas nos trinta anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.



Deve ser uma economia que priorize a justiça social, uma vida digna para todos e a realização do que Amaratya Sen chama de potencialidades inerentes aos seres humanos. Deve estar organizada para realizar o que está além das habilidades do mercado dos caçadores-de-lucro, principalmente para confrontar o grande desafio da humanidade neste século 21: a crise ambiental global. Se este novo sistema se comprometer com os dois objetivos, poderá ser aceitável para os socialistas, independente do nome que lhe dermos. O maior obstáculo no caminho não é a falta de clareza e concordância entre as esquerdas, mas o fato de que a crise econômica global coincide com uma situação internacional muito perigosa, instável e incerta, que provavelmente não estabelecerá uma nova estabilidade por algum tempo. Entrementes, não há consenso ou ações comuns entre os Estados, cujas políticas são dominadas por interesses nacionais possivelmente incompatíveis com os interesses globais.

Conceitos como solidariedade, cooperação, tolerância, justiça social, sustentabilidade ambiental, responsabilidade do consumidor, desenvolvimento sustentável, entre outros, têm encontrado eco, mesmo de forma ainda frágil, na opinião pública. Acredita que estes princípios poderão, no futuro, ganhar força e influenciar a ordem mundial? Vê algum caminho que possa aproximar a humanidade a uma coabitação harmoniosa?

Os conceitos listados estão mais para slogans do que para programas. Eles ou ainda precisam ser transformados em ações e agendas (como a redução de gases de efeito estufa, encorajada ou imposta pelos governos, por exemplo), ou são subprodutos de situações sociais mais complexas (como “tolerância”, que existe efetivamente apenas em sociedades que a aceitam ou que estão impedidas de manter a intolerância). Eu preferiria pensar na “cooperação” não apenas como um ideal generalista, mas como uma forma de conduzir as questões humanas, como as atividades econômicas e de bem estar social. Me entristece que a cooperação e a organização mútua, que eram um elemento tão importante no socialismo do século 19, desapareceram quase que completamente do horizonte socialista do século 20 – mas felizmente não da agenda do MST. Espero que esta lista de conceitos continue conquistando o apoio e mobilize a opinião pública para pressionar efetivamente os governos. Não acredito que a humanidade alcançará um estado de “coabitação harmoniosa” num futuro próximo. Mas mesmo se nossos ideais atualmente são apenas utopias, é essencial que homens e mulheres lutem por elas.


O senhor, que estudou com profundidade a história do mundo e as relações humanas nos últimos séculos, o que espera do futuro?

Se a crise ambiental global não for controlada, e o crescimento populacional estabilizado, as perspectivas são sombrias. Mesmo se os efeitos das mudanças climáticas possam ser estabilizados, produzirão enormes problemas que já são sentidos, como a crescente competição por recursos hídricos, a desertificação nas zonas tropicais e subtropicais, e a necessidade de projetos caros de controle de inundações em regiões costeiras. Também mudarão o equilíbrio internacional em favor do hemisfério Norte, que tem largas extensões de terras árticas e subárticas passíveis de serem cultivadas e industrializadas. Do ponto de vista econômico, o centro de gravidade do mundo continuará a se mover do Oeste (América do Norte e Europa) para o Sul e o Leste asiático, mas o acúmulo de riquezas ainda possibilitará às populações das velhas regiões capitalistas um padrão de vida muito superior às dos emergentes gigantes asiáticos. A atual crise econômica global vai terminar, mas tenho dúvidas se terminará em termos sustentáveis para além de algumas décadas. Politicamente, o mundo vive uma transição desde o fim da Guerra Fria. Se tornou mais instável e perigoso, especialmente na região entre Marrocos e Índia. Um novo equilíbrio internacional entre as potências — os EUA, China, a União Européia, Índia e Brasil — presumivelmente ocorrerá, o que poderá garantir um período de relativa estabilidade econômica e política, mas isto não é para já. O que não pode ser previsto é a natureza social e política dos regimes que emergirão depois da crise. Aqui as experiências do passado não podem ser aplicadas. O historiador pode falar apenas das circunstâncias herdadas do passado. Como diz Karl Marx: a humanidade faz a sua própria história. Como a fará e com que resultados, muitas vezes inesperados, são questões que ultrapassam o poder de previsão do historiador.


Fonte: Instituto Humanitas Uninisinos (IHU)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

História Ambiental Made in Brazil


Por Douglas Barraqui

“Abençoado por Deus e bonito por natureza”. Essa é uma típica frase que nós brasileiro gostamos de dizer quando fazemos referência às belezas de nossa terra, belezas que fazem do Brasil um objeto singular para a história ambiental. José Augusto Drummond, um dos nossos maiores nomes da história ambiental, diz que esta disciplina – para nós brasileiros – é estrangeira, por ser, em até certo grau, desconhecida por muitos. Eu digo que ela se faz timidamente e que, em “terras tupiniquins”, há excelentes trabalhos nesse campo.


É notório que os cientistas sociais latinos americanos, ao trabalharem história ambiental, demonstram maior apego as temáticas sociais e o Brasil não destoa dessa realidade. Mesmo possuindo uma gama de ecossistemas, biomas, processos ecológicos e consequente inúmeras paisagens naturais – o que torna o Brasil rico em interações entre a sociedade humana e o meio natural –, os historiadores de língua inglesa sabem muito mais sobre a natureza biofísica do que os cientistas sociais brasileiros.


Falta aos cientistas sociais brasileiros maior dialogo com as ciências naturais, com os próprios movimentos ambientalistas, a fim de que assistam de perto a realidade e, é claro, faltam incentivos para a investigação ambiental do próprio governo.


Todavia, nos últimos dez anos, a história ambiental made in Brazil rendeu bons frutos, demonstrando um destacado desenvolvimento. Isso se deve, em grande parte, à qualidade dos trabalhos produzidos e às nossas universidades que possuem um papel ímpar na produção científica do país. Resumindo, embora não esteja consolidada, a história ambiental está em solo fértil e está, certamente, em crescimento. Isso ficou demonstrado no primeiro encontro acadêmico de história ambiental do Brasil, que ocorreu em maio de 2008, em Belo Horizonte, organizado por Regina Horta Duarte, uma lider da disciplina no Brasil. Os avanços da disciplina ambiental também foram demonstrados no IV Simpósio da Sociedade Latino-Americana e Caribenha de História Ambiental (SOLCHA), realizado em maio de 2009 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).


Acho prudente destacar que, embora pesquisadores brasileiros tenham feito importantes contribuições para uma história ambiental do Brasil, eu ainda não encontrei um profissional que se dissesse historiador ambiental. São, em grande parte, trabalhos paralelos.


Abaixo apresento um roteiro introdutório de produções de historiadores brasileiros que passam pelo viés da história ambiental:


ARRUDA, Gilmar (Orgs.). A natureza dos rios. Ed. EFPR 2009, p. 265.

ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões. Bauru, EDUSC, 2000.

ARRUDA, Gilmar, et al (Orgs.). Natureza na América Latina – apropriações e representações. Londrina. Editora da UEL, 2001.

BERTRAN, Paulo. História da Terra e do Homem no Planalto Central. Revista ampliada, Brasília: verano, 2000.

BUENO, Eduardo et alli. Pau-brasil. São Paulo, Axis Mundi, 2002.

CASCUDO, Luís de Câmara. Civilização e Cultura – pesquisas e notas de etnografia geral. São Paulo, Global, 2004.

CASTRO, Carlos Ferreira de Abreu. Gestão Florestal no Brasil Colônia. (Tese de Doutorado em Desenvolvimento Sustentável Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, 2002).

CASTRO, Maria Inês Malta. Natureza e Sociedade em Mato Grosso, 1850 -1930. (Tese de Doutorado, Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, fevereiro 2001).

COSTA, Kelerson Semerene. Homens e Natureza na Amazônia Brasileira: dimensões. (Tese de Doutorado (História), Universidade de Brasília. Brasília).

COSTA, M. Panorama de um País inexistente - O Pantanal entre os séculos XVI e XVIII. São Paulo Estação Liberdade: Kosmos, 1999.

CATÃO, Leandro Pena & SANTOS, Tatiane Conceição dos Santos. História Ambiental a partir do patrimônio urbano ambiental e da prática turística. História Ambiental & Turismo. Vol 4 – nº 1, maio de 2008.

CLÁUDIA, Heynemann. Floresta da Tijuca: natureza e civilização no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, divisão de edição, 1995.

COUTO, Jorge. A Construção do Brasil - ameríndios, portugueses e africanos, do inicio do povoamento a finais de Quinhentos. Lisboa, Cosmos, 1998.

DRUMMOND, José augusto. A historia ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Estudos Históricos, 4(8), 1991, 177-197.

DRUMMOND, José augusto. Ciência Social Ambiental – notas sobre uma abordagem necessariamente eclética, em Rival Carvalho Rolim et al (Orgs.). História Espaço e Meio Ambiente – coletânea – VI Encontro Regional de História Ambiental da ANPUH. Maringá, ANPUH, PR, 2000.

DRUMMOND, José augusto. Devastação e preservação ambiental no Rio de Janeiro. Niterói, EDUFF, 1997.

DRUMMOND, José Augusto. O sistema brasileiro de parques nacionais: análise dos resultados de uma política ambiental. Niterói, Rio de Janeiro: EDUFF, 1997.

DRUMMOND, José Augusto. Por que estudar a história ambiental do Brasil? – ensaio temático. Varia História, nº 26 janeiro, 2002

DRUMMOND, José Augusto. The Garden in the Machine: An Environmental History of Brazil's Tijuca Forest. Environmental History 1, no. 1: 83-104, 1996.

DUARTE, Regina Horta. História & Natureza. Belo Horizonte, Autêntica, 2005.

ESPINDOLA, Haruf Salmen. Sertão do Rio Doce. Bauru, EDUSC, 2005.

FADEL, Simone. Meio ambiente, saneamento e engenharia no império e na Primeira República. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

FRANCO, José Luiz de Andrade. Proteção à Natureza e Identidade Nacional: 1930-1940. (Tese de Doutorado (História), Universidade de Brasília. Brasília, julho 2002).

FUNARI, Pedro Paulo e NOELLI, Francisco Silva. Pré-História do Brasil. São Paulo, Contexto, 2005.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. ampliada: São Paulo, Brasiliense, 1990.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Extremo Oeste. São Paulo, Brasiliense e Secretaria de Estado de Cultura, 1986.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo, Brasiliense, 1994.

LEONARDI, Victor. Os Historiadores e os Rios – natureza e ruína na Amazônia brasileira. Brasília, Paralelo 15 e Editora da Universidade de Brasília, 1999.

MARTINEZ, Paulo Henrique (Org.). História ambiental paulista: temas, fontes, métodos. Editora Senac, 2007.

MARTINEZ, Paulo Henrique. História Ambiental no Brasil - pesquisa e ensino. São Paulo, Cortez, 2006.

MARTINEZ, Paulo Henrique. Laboratório de história e meio ambiente: estratégia institucional na formação continuada de historiadores. Revista Brasileira de História, Vol. 24, número 48, 2004, pp. 233-251

NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do; DRUMMOND, Jose Augusto. Amazônia: dinamismo econômico e conservação ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.

OTONI, T. Noticia sobre os selvagens do Mucuri. Organizado por Regina Horta. Belo Hmorizonte, Editora UFMG, 2002.

PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento e política ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004.

SANTOS, Elisângela Maria Barbosa. Parques por Decreto: um estudo de caso do Parque Nacional do Caparaó. (Dissertação de Mestrado (História), Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, abril 2004).

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens, In: Cardoso, Ciro Flamarion; Vainfas, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia (Rio de Janeiro: Campus, 1997, 203-216).

SOFFIATI NETTO, Aristides Artur. O nativo e o exótico — perspectivas para a história ambiental na ecorregião norte-noroeste fluminense entre os séculos XVII e XX. (Dissertação de Mestrado, UFRJ. Rio de Janeiro, 1996).

TENÓRIO, Maria Cristina (org.). Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro, Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1999.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Darwin e a Mata Atlântica


Imaginar as sensações do jovem Darwin ao desembarcar no Brasil em fevereiro de 1832 não é tarefa fácil. Em seu diário a bordo do HMS Beagle, o naturalista se mostra maravilhado ao vivenciar a exuberância da fauna e flora de uma então quase intacta Mata Atlântica.

Ao chegar a Salvador, ele definiu um passeio pela Mata Atlântica como delicioso para logo depois emendar: “ Delicioso em si, entretanto, é um termo fraco para expressar os sentimentos de um naturalista, que pela primeira vez, passeou sozinho em uma floresta brasileira. A elegância da coberta do solo, a novidade das plantas parasitas, a beleza das flores, o verde brilhante da folhagem, mas, sobretudo, a vegetação luxuriante me encheram de admiração. (...) Para uma pessoa que aprecia história natural, um dia como este gera um profundo prazer que não se pode ter esperança de vivenciar outra vez.”

Mas foi no Rio de Janeiro, onde passou três meses, que Darwin teve a sua maior vivência com a natureza brasileira. Hospedado na então baía de Botafogo, o naturalista se encantou com a paisagem do Rio. Pão de Açúcar, Corcovado, o recém-criado Jardim Botânico e a até então distante Pedra da Gávea foram as trilhas perfeitas para a observação das mais variadas espécies da Mata Atlântica.

Em uma curta viagem até Cabo Frio, ao norte do estado, Darwin passou pelo o que é hoje o Parque Estadual Serra da Tiririca, uma unidade de conservação fluminense entre Niterói e Maricá. Com 2.260 hectares, o parque protege áreas de Mata Atlântica, costões rochosos, restinga, mangue e banhados, e oferece a trilha Caminho Darwin.

No entanto Darwin ficaria chocado com a situação da Mata Atlântica atual, comparada com seu estado no século XIX. Recordista mundial em biodiversidade, a floresta também é uma das regiões mais ameaçadas do planeta. Da sua cobertura original, restam apenas 7,3% resultado de uma exploração não sustentável na região mais desenvolvida e ocupada do Brasil.

Confira alguns trechos do diário de bordo de Charles Darwin durante a sua passagem pelo Rio de Janeiro:

8 de Abril de 1832
“(...) quando passamos pelos bosques, tudo parecia imóvel, exceto as grandes e brilhantes borboletas, que batiam as asas preguiçosamente”.

14 de Abril de 1832
“A floresta é abundante em belezas; entre elas, samambaias que, embora não muito grandes, eram pela verde e brilhante folhagem e elegante curvatura de suas folhas, muito dignas de admiração”.

18 de Abril de 1832
“É fácil especificar os objetos de admiração nesses cenários grandiosos, mas não é possível oferecer uma ideia adequada das emoções que sentimos, entre maravilhados, surpresos e com sublime devoção, capazes de elevar a mente.”

As citações de Darwin reproduzidas nesse texto foram retiradas de:
Entendendo Darwin – A viagem a Bordo do HMS Beagle pela América do Sul
Apresentação Marcelo Gleiser / Editora Planeta, São Paulo, 2009-08-24
Fonte: WWF Brasil