quinta-feira, 26 de abril de 2012

A Natureza que D. João VI viu no Brasil

Entrada do Jardim Botânico e suas Palmeiras-Imperiais, s/d. SISSON, Sebastien Auguste Youds, J. - Museu Imperial, Petrópolis, RJ.Crédito: Visões do Rio na Coleção Geyer, Centro Cultural Banco do Brasil
Por Edson Struminski
Que tipo de paisagem D. João VI e os portugueses que com ele vieram viram no Brasil? Que relações esta paisagem ainda guarda com a realidade brasileira após 200 anos? A vinda da Família Real portuguesa para o Brasil em 1808, foi um marco e um acontecimento sem precedentes na história brasileira, pois foi a primeira vez que uma monarquia europeia pisou em solo americano. 

Após várias revoltas com vernizes liberais e republicanos acontecidas no país, no século XVIII, a chegada da corte reforçaria a ideia do papel do Estado monárquico conservador, mas, ao mesmo tempo, faria com que os velhos padrões económicos coloniais se vissem ameaçados pela abertura e liberalização dos portos, a qual favoreceria os grandes comerciantes cariocas em detrimento dos portugueses da Metrópole.

Como também é bem conhecido, a transferência da corte trouxe para a América portuguesa não só a Família Real, mas também o governo da Metrópole e, sobretudo, boa parte do aparato administrativo português. No total algo em torno de 20 mil pessoas transferiram-se de Portugal para o Rio de Janeiro e tiveram de se ajeitar em uma cidade precária, gerando com isto um caos urbano, situação que entrou para o folclore do país.

No entanto, apesar da imagem caricata com que é pintado muitas vezes no Brasil e que aparece em filmes como "Carlota Joaquina", D. João era um monarca esclarecido e sua vinda alterou o status político do Brasil, além de criar uma nova base para seu desenvolvimento. Villalta (1997), mostra que a transferência da corte para o Rio trouxe não só a abertura económica e a demanda por instalações industriais inexistentes no Brasil mas também impulsionou a política de desenvolvimento de pesquisas científicas, incluindo jardins botânicos e a abertura de instituições de ensino, ainda que estas fossem marcadas, por um carácter pragmático e fragmentado (aulas régias) que não levaram a um progresso científico expressivo e não alteraram a dependência da Universidade de Coimbra, mas que fomentaram o início da ciência no Brasil.

Tão importante como este fato, a abertura do país abriu para os olhos dos naturalistas e pesquisadores europeus, a imensa e espantosa natureza tropical brasileira, que até então tinha sido mantida escondida a sete chaves pelos administradores portugueses.

De facto, tornar-se-iam frequentes, não só durante a presença de D. João, mas pelo período imperial adentro, as viagens e expedições elaboradas por cientistas dos mais variados países, que invariavelmente se mostrariam deslumbrados com as belezas da natureza tropical e se disporiam a toda sorte de desconfortos para conhecê-la.

O jovem e esforçado botânico francês Auguste de Saint-Hilaire passou 6 anos viajando pelo Brasil, a partir de 1816. De forma simples ele explica a curiosidade que a terra brasileira exercia sobre ele e sobre os cientistas da época: "O gosto pela história natural faz nascer o de viajar... Quando o rei D. João VI mudou para o Rio de Janeiro a sede do seu império, o Brasil abriu-se finalmente, para os estrangeiros. Essa terra, nova ainda, prometia aos naturalistas as mais ricas messes, foi ela que eu me dispus a percorrer".

E é assim, pelos olhos destes naturalistas europeus que podemos vislumbrar a natureza que podia ser encontrada no período joalino no Brasil, uma natureza que ainda tinha muito de selvagem, como sugere a frase a seguir, de Spix e Martius, citada pelo historiador Warren Dean (1997): "É indiscutível o encanto desta região, onde frescos bosques alternam com extensas campinas cheias de claras fontes e de grupos majestosos de palmeiras, o qual é realçado pelo fato de não parecer profanado pela mão da civilização".

"Larangeiros" 1824
"Larangeiros" 1824
Saint-Hilaire dá-nos uma indicação clara de como entender este ambiente: "Para conhecer toda a beleza das florestas tropicais, é necessário penetrar nesses retiros tão antigos como o mundo". De facto, nas palavras deles veríamos que a imponência das florestas tropicais levaria à formação de um julgamento erróneo a respeito da antiguidade destas florestas, que levaria décadas para ser desfeito. Efectivamente as árvores eram velhas, porém as florestas tropicais eram jovens componentes da paisagem do ponto de vista geológico. 
No fim do período colonial o grande assalto à natureza do Brasil ainda estava por acontecer na região sudeste do país, um assalto que alteraria radicalmente sua paisagem. Na época de D. João VI e por vários anos, porém, a paisagem ainda reservaria, muito da sua natureza primitiva, algo que provavelmente a corte portuguesa ainda viu no país.

Saint-Hilaire saindo do Rio de Janeiro em direcção a Minas Gerais, comenta o que vislumbrou: "Florestas virgens tão velhas como o mundo exibem sua imponência, quase às portas da cidade e formam um contraste encantador com o trabalho dos homens". Ao mesmo tempo ele nos dá conta da agitação necessária para manter a cidade: "As estradas vizinhas da capital do Brasil são hoje em dia tão movimentadas como as que conduzem às grandes cidades da Europa".

Por esta época, o açúcar, que havia sustentado a colónia, já estava sofrendo uma lenta queda na cotação do comércio externo em função da concorrência de Cuba e do açúcar de beterraba europeu e o café ainda não se havia tornado o pólo dinâmico do sistema agro-exportador brasileiro, algo que só aconteceria a partir de 1830, com auge na segunda metade do século XIX.

Passando os arredores mais imediatos do Rio de Janeiro, Saint-Hilaire corrige-se e constata que a própria vizinhança da cidade ainda tinha uma ocupação urbana modesta com áreas de natureza preservada: "Se próximo ao Rio de Janeiro podemo-nos julgar nos arredores de uma das maiores cidades da Europa, essa ilusão em breve se dissipa. À medida que nos afastamos.... vê-se cada vez menos habitações, as vendas rareiam, encontram-se menos terrenos cultivados, os bosques tornam-se mais comuns e como cada vez mais nos aproximamos das montanhas, o aspecto da região toma carácter mais grave".

A paisagem, no entanto, era outra na antiga região aurífera das Minas Gerais, então em queda populacional após o auge da exploração mineral que ocorreu no fim do século XVIII. Após passar por Vila Rica, primeira capital desta província, Saint-Hilaire constata que "os morros que a rodeiam são cobertos por uma relva pardacenta e exibem a imagem da esterilidade".

Ele dá-nos uma medida para avaliar as mudanças ocorridas: "Bastaram-nos duas horas de trajecto para chegar a Mariana..., os primeiros habitantes gastavam cinco dias, quando a região ainda era coberta de matas virgens." Como outro visitante ilustre, o brasileiro José Bonifácio já havia constatado, o desmatamento levava a uma decadência geral, devido à baixa fertilidade natural dos solos. Saint-Hilaire também percebeu isto, pois para ele "todo o sistema de agricultura brasileira é baseado na destruição de florestas e onde não há matas, não existe lavoura". As próprias minas de ferro, riquíssimas na época, não podiam ser exploradas por falta de combustível.

No entanto, se o hábito da queimada era usual na população, ele também recebia incentivos oficiais do Estado. Saint-Hilaire explicou isto da seguinte forma: "Por um ignorância fácil de compreender quando se conhecem as relações do governo português com suas colónias, o próprio ministério, que se devia opor com todas as forças à destruição das matas, também contribui para acelerá-la... Por ocasião da chegada do soberano, o conde de Linhares fez promulgar um decreto que isentava de impostos, durante dez anos, os colonos que se fossem estabelecer no meio das matas".

Saint-Hilaire cumpria assim o papel de crítico ambiental que os cientistas teriam a partir de então. Ele simplesmente notou que o ciclo agrícola queimada-plantio-abandono durava menos que dez anos, gerava destruição e nenhum imposto pago.

Mesmo com estes impactos evidentes em Minas Gerais, os visitantes ainda teriam oportunidade de conhecer belas paisagens no país. Em 1832, poucos anos após a independência do Brasil esteve no Rio de Janeiro, outro ilustre visitante, que teria oportunidade de conhecer um pouco de uma paisagem que ainda permanecia selvagem, o inglês Charles Darwin. Darwin pôde vislumbrar vistas deslumbrantes em pontos que hoje estão envoltos pela malha urbana desta cidade.

Em uma excursão à Pedra da Gávea, imponente montanha à beira mar, ele mostra-se estonteado com a paisagem, como podemos ver no texto retirado do seu diário de viagem: "Seguindo por uma picada, penetrei no interior de uma nobre floresta e, de uma altura de cento e cinquenta a duzentos metros, pude contemplar um dos soberbos panoramas tão comuns ao redor de todo o Rio. Vista desta altura, a paisagem atinge o máximo de brilho no seu colorido e todas as formas e sombras ultrapassam de modo tudo quanto um europeu possa jamais ter visto em sua terra natal, que não sabe como há de expressar as emoções do seu espírito".

Após a metade do século XIX o plantio do café iniciaria uma dinâmica de ocupação de solos e desmatamentos que só cessaria em 1930 e devastaria boa parte da Floresta Atlântica brasileira. No entanto esta região da Gávea visitada por Darwin teve um curioso destino. Sua floresta foi queimada e transformou-se em plantação de café no decorrer do século XIX, mas acabou sendo desapropriada ainda durante o império frente à constatação de falta de água para a capital do país gerada por esta ocupação predatória. Acabou sendo palco de um inédito projecto de recuperação ambiental que levou à formação de uma floresta secundária que, décadas depois, acabaria virando um parque nacional urbano. Assim, fato raro, podemos ainda vislumbrar nos caminhos que andam pela Pedra da Gávea, um pouco das imagens e sentir um pouco das sensações dos portugueses que desembarcaram no Brasil em 1808.

BIBLIOGRAFIA

VILLALTA, L.C. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. In: História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. V.1. p. 331 - 386.

DEAN, W. A ferro e a fogo, a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

SAINT-HILAIRE, A. Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Geraes. Tomo I. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.

DARWIN, C. Viagem de um naturalista ao redor do mundo. São Paulo: Abril Cultural, s/d.

Fonte: Rede Brasileira de História Ambiental

A Descoberta Biológica do Brasil

Litrografia de Loeillot (1840-1876)
Por Edson Struminski

A descoberta de um novo mundo habitado por povos e por uma natureza então desconhecidos foi o fato mais extraordinário e decisivo da história moderna ocidental. Este fato desencadeou uma vasta elaboração de discursos e visões sobre esta nova natureza descoberta. 

A carta de Pero Vaz de Caminha, cronista da descoberta portuguesa do Brasil, ao rei D. Manuel costuma ser considerada o primeiro documento literário sobre o Brasil. Caminha era um letrado, de formação humanista, assim ele se mostra muito mais interessado em descrever os povos indígenas e seus costumes que a natureza, o ambiente e os recursos do mundo que via, algo que eventualmente até teria até mais interesse para a Coroa portuguesa. Mesmo assim é no documento de Caminha que aparecem os primeiros registros de aves, peixes, repteis e também uma descrição, no mínimo acertada da nova terra. “Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa” (1).

Do levantamento que Cândido de Mello Leitão, que resgatei, elaborado em 1937 sobre a história da biologia no Brasil (2), podemos constatar que esta ciência estava em estágio embrionário nos anos 500. Assim, o que tivemos no Brasil, por certo tempo, foram cronistas, mais ou menos espantados com a natureza brasileira, mas que se limitaram a descrever animais e plantas vistos de passagem pelo país. É o caso de Caminha e também de Américo Vespúcio, Francisco Pigafetta (cronista da viagem de Fernão de Magalhães), do espanhol Cabeza de Vaca e de Ulrich Schmidel e Hans Staden, alemães que chegaram a viver alguns anos no Brasil.

Mas existem exceções.  Mello Leitão considera o jesuíta José de Anchieta o fundador da história natural do Brasil. É de 1560 uma epístola de Anchieta que descreve, ainda com uma certa dose de fantasia, a flora e a fauna brasileira. Mas ele segue um método, o método quinhentista, que classifica a fauna em “aquáticos, terrestres e aéreos”. Anchieta refere-se, desta forma, a 25 animais, que vão de grandes mamíferos a invertebrados, incluindo, ainda, sete espécies de serpentes, a respeito das quais descreve sintomas de envenenamento e tratamentos, além de diversos mamíferos que eram usados, então, para alimentação pelos indígenas.

Na parte botânica da sua epístola, também segundo o molde quinhentista, Anchieta descreve “plantas alimentícias” entre as quais raízes e frutos ainda hoje utilizados no Brasil como a mandioca ou o caju e medicinais, incluindo aí seu uso pelos indígenas. Anchieta realiza assim, com sua descrição de plantas e animais, juntamente com seu uso humano, um primórdio do que hoje entenderíamos por etnofauna e etnobotânica.

Mello Leitão prossegue descrevendo a “História da Província de Santa Cruz”, do português Pero de Magalhães Gandavo, que ele considera inferior ao trabalho de Anchieta, mas que ainda assim acrescenta novidades em um capítulo sobre avifauna, onde descreve animais vistosos como gaviões e papagaios.

Do franciscano francês André Thevet, tem-se novamente o relato, sem método, dos viajantes da época. Os franceses tiveram uma curta aventura colonialista no Brasil e Thevet vem falar das “singularidades” desta França Antartica, entretanto é um apanhado inferior ao de Anchieta, muito embora sempre apareçam descrições de novas espécies. Do mesmo modo é o trabalho de Jean de Lery, que afirmou viver com os Tupinambás por quase um ano e foi rival de Thevet, a quem contestou em seus escritos. Ele descreve “animais, caça, grandes lagartos e outros seres monstruosos da América” e aves “boas de comer” e outras de plumagens belas, tão apreciadas na Europa na época, mas segundo Mello Leitão, seu trabalho é inferior aos de seus antecessores. Lery demonstra conhecer umas vinte plantas, entre as quais o fumo e o pau-brasil (Caesalpinia echinata), esta última a árvore que seria o primeiro “produto de exportação”, na verdade contrabando, da nova nação.

Novamente é a partir de outro jesuíta, Fernão Cardim, que entre 1583 e 93 esteve no Brasil que surge a produção de um documento de valor sobre a biologia brasileira em “Do clima e Terra do Brasil”. Neste documento surge uma lista mais completa de mamíferos e uma descrição mais completa dos animais, que a dos antecessores. Da mesma forma, a descrição botânica de Cardim é mais completa, com dez capítulos onde aparecem árvores que dão fruto, outras medicinais, as que dão óleo ou madeira, as ervas comestíveis e medicinais, além de canas (bambusáceas) e as espécies de mangue.

Com Gabriel Soares de Souza surge uma interessante novidade. Vindo ao Brasil em 1567 para tornar-se senhor de engenho, Soares de Souza fixa-se na região nordeste do país, ao contrário dos cronistas anteriores, que escreveram sobre a natureza do sul e sudeste brasileiro. Escreve um “Tratado descritivo do Brasil”, com cinqüenta e nove capítulos para animais e quarenta e um para plantas. Embora seu livro misture, segundo Mello Leitão, observações judiciosas com lendas e confusões, ainda assim considera seu livro como mais um dos marcos confiáveis sobre o estudo biológico no Brasil.

Warren Dean (3), considera que os esboços e relatos produzidos no século XVI no Brasil eram esforços amadores e que o interesse da Metrópole pela vegetação e pela vida animal da colônia era limitado. Segundo ele, os colonizadores preferiram ignorar as espécies nativas e efetuar transferências bióticas já conhecidas por eles para o Brasil a partir de regiões semi-tropicais européias, ou de regiões tropicais de suas colônias asiáticas ou africanas. Este fato é real e mesmo hoje, a base da agropecuária brasileira é feita a partir destas espécies introduzidas. Mas a análise de Dean não é totalmente correta.

Certamente o intento português de conquistar e transformar o novo território se evidenciaria no pragmatismo das relações dos colonizadores com o novo ambiente. Em um primeiro momento, o desprezo ou escravização da população nativa e destruição dos ecossistemas naturais seria realizado para viabilizar a implantação da monocultura do açúcar.

Mas para sermos justos com os portugueses, da leitura de Mello Leitão percebe-se que entre os europeus, foram na verdade, os letrados deste país, religiosos ou leigos, que produziram os conhecimentos mais interessantes, do ponto de vista biológico, da natureza do Brasil nos anos 500. Eles utilizaram as ferramentas de produção de conhecimento, que incluía a classificação de animais e plantas, compatíveis com o status científico europeu da época. Possivelmente estes cronistas descreveram inclusive as primeiras espécies extintas no Brasil por conta da exploração predatória dos colonizadores.

De qualquer modo, o conhecimento biológico levantado por portugueses teve destino diferente daquele produzido por outros europeus que estiveram no Brasil, o que mostra, de fato, um descaso com o trabalho destes primeiros cronistas. Enquanto alemães e franceses publicavam, sem maiores dificuldades, seus relatos de viagens e observações, portugueses tinham seus originais desprezados ou roubados. Anchieta só foi publicado em 1799, Gabriel Soares de Souza em 1825 e Fernão Cardim teve seus escritos tomados pelo corsário Francis Cook que o aprisionou em uma viagem a Portugal e vendeu seus escritos, que foram publicados por Samuel Purchas, na Inglaterra, em 1625.

Por Edson Struminski, eng. florestal, Dr. em Meio Ambiente e Desenvolvimento - Brasil

PEREIRA, P. R. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999.

MELLO LEITÃO, C. A biologia no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.

DEAN, W. A ferro e a fogo, a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

ONGs ambientalistas pedem veto do Código Florestal para Dilma

Os grupos ambientalistas WWF e Greenpeace denunciaram nesta quinta-feira a reforma do Código Florestal aprovada pela Câmara dos Deputados e pediram à presidente, Dilma Rousseff, se oponha às mudanças que 'põem em perigo' os avanços obtidos na Amazônia.

 

Em declarações distintas, divulgadas em Madri, as organizações destacaram que a nova lei é 'um duro golpe' às promessas da presidente brasileira, que tinha se comprometido a lutar contra a anistia para crimes florestais do passado.

A Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira a reforma das leis que regulam o uso dos solos e estabeleceram uma redução das áreas protegidas em favor da atividade agropecuária. A mudança ainda inclui uma ampla anistia aos fazendeiros que, durante as últimas décadas desmataram ilegalmente territórios da Amazônia.

'A presidente Dilma prometeu que não toleraria as leis que promovessem novas ondas de desmatamento ou anistiassem crimes florestais do passado. Ela sabe que estas mudanças são negativas para o Brasil e para o meio ambiente. Pedimos que mantenha suas promessas', disse a nota da diretora geral da WWF Brasil, María Cecilia Wey de Brito.

Na mesma linha, a Greenpeace falou: 'O Brasil deu um passo decisivo para trás. A aprovação da reforma é uma derrota para a floresta amazônica e para a presidente Dilma'. O diretor da campanha da Amazônia em Greenpeace Brasil, Paulo Adario, destacou que o voto do Governo nas mudanças do Código Florestal contribui para uma má reputação do Brasil como líder global na luta contra o desmatamento e mudança climática.

A WWF também advertiu que, com a medida, o Brasil não poderá cumprir seus compromissos internacionais de redução de emissões de CO2 nem as taxas de desmatamento. De acordo com a organização, a nova legislação poderia gerar uma perda de mais de 76,5 milhões de hectares florestais, supondo a emissão de 28 bilhões de toneladas de CO2 à atmosfera.

Sobre a anistia aos fazendeiros, os ecologistas da WWF alertaram que não só beneficia os proprietários, mas provoca perdas de US$ 4,8 bilhões em multas. Além disso, acrescentaram que a reputação da economia brasileira sofreria 'um grave prejuízo global'.

fonte: http://noticias.br.msn.com/artigo.aspx?cp-documentid=33508130

domingo, 15 de abril de 2012

Titanic: o que podemos aprender

Por Douglas Barraqui

Há cem anos atrás a natureza demonstrou ao homem a sua força implacável e colossal. Um simples bloco de gelo, obra da mãe natureza, colocaria em baixo da água, e não em cima dela, uma das maiores obras da engenharia humana: o RMS Titanic.

O Titanic foi fruto de uma sociedade industrial, de um período de cultura cosmopolita da sociedade europeia, momento de avanços tecnológicos que mudariam o mundo a exemplo do telegrafo, o telefone sem fio, o cinema, a bicicleta, o automóvel e o avião. Inventos que inspiravam no homem uma nova percepção a mercê da realidade: era a Belle Époque, bela época em francês.

Essa mesma sociedade do início do século XX devastava a natureza de modo atroz e voraz. Era o preço do luxo, das praticidades e comodidades da bela época.

Concebido para ser inafundável” dizia um folheto publicado em 1910 da White Star Line empresa operadora do navio. Com quase 50.000 toneladas de aço e 270 metros de comprimento o Titanic era o maior navio de passageiros do mundo. Resultado das mais avançadas tecnologias disponíveis na época.

Mas o que parecia impossível aconteceu: na noite do domingo do dia 14 de abril de 1912, por volta das 23:40 o Titanic se chocaria com um bloco de gelo a deriva no oceano, afundando na manha do dia seguinte. De 2.240 pessoas a bordo o naufrágio vitimou, nas gélidas águas do Atlântico Norte, 1.523 pessoas.

Foi um grande choque para a sociedade daquela época. Apesar do que havia de melhor de tecnologia e de uma experiente tripulação, o inafundável Titanic não só afundou como levou a morte milhares de pessoas.

E o que podemos aprender com Titanic? Atualmente nossa sociedade industrializada, consumista e capitalista não estaria indo em rota de colisão com as forças desconhecidas da mãe natureza. Segundo relatório intitulado “A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade para Políticas Locais e Regionais”, as cidades atualmente ocupam um pouco mais de 2% da superfície da terra, e que mais da metade da população mundial vive nelas e que, de forma alarmante, já consumimos mais de 70% dos recursos naturais disponíveis em nosso planeta.

Assim como o Titanic não era inafundável, nós não somos inatingíveis. Temos que superar o “paradigma da imunidade humana” (human exemptionalism paradigm) aos fatos naturais, como nos fala José Augusto Drummond. Não estaríamos, todos nós, a bordo de um grande barco em uma trágica rota de colisão com nosso passado de séculos de espoliação desenfreada dos recursos naturais de nosso planeta? Teremos o mesmo fim trágico daqueles abordo do Titanic?

Referência:

DRUMMOND, José  Augusto. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Vol. 4 n. 8, 1991, Pg. 179.

Relatório: "A economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade para Políticas Locais e Regionais" (Teeb na sigla em inglês). Lançado no Brasil em 9 de setembro de 2010, em workshop realizado em Curitiba, no Paraná. Disponível em: http://www.teebweb.org/Portals/25/TEEB%20Synthesis/TEEB_Sintese-Portugues_web[1].pdf. Acesso em 15 de abril de 2012.

sábado, 14 de abril de 2012

Planteta vivo e planeta morto

Por José Eustáquio Diniz Alves

Muita gente acha estranho quando se diz que a humanidade já está consumindo 1,5 planeta (um planeta e meio), sendo que, segundo a metodologia da pegada ecológica, o mundo deverá atingir -dependendo da continuidade do ritmo de loucuras do modelo atual – o consumo equivalente a 2 planetas entre 2030 e 2050.

Mas como é possível consumir mais de um globo terrestre? A resposta é simples: não existe apenas um planeta Terra, mas sim dois, um planeta vivo e um planeta morto. O planeta vivo está na superfície e o planeta morto está no subsolo.

O planeta morto é composto por material orgânico decomposto e que foi fossilizado em decorrência dos efeitos da pressão e da temperatura elevadas atuando durante milhões de anos junto ao processo de soterramento. A matéria orgânica é constituída por substâncias contendo carbono na sua estrutura molecular. A queima deste carbono transforma este material em combustíveis fósseis. O carvão mineral, o petróleo e o gás natural são os combustíveis fósseis mais utilizados, servindo para colocar em movimento as locomotivas, trens, carros, caminhões, navios, além de gerar eletricidade para toda a cadeia produtiva da economia (inclusive hospitais e escolas) e para o consumo particular das famílias.

Os combustíveis fósseis, além de serem finitos, provocam grande poluição (como a liberação de mercúrio que polui as águas) e são um dos principais responsáveis pelo efeito estufa que aquece a atmosfera da Terra e provoca mudanças climáticas. A utilização dos combustíveis fósseis possibilitou que a população humana e a economia apresentassem um crescimento sem precedêntes nos últimos 200 anos. A humanidade se espalhou por todo o planeta, destruindo biomas e comprometendo a qualidade das águas, ao mesmo tempo que vai reduzindo a capacidade de regeneração da Terra. Num processo de crescimento permanente da pegada ecológica, o ser humano ultrapassou as fronteiras planetárias.

Porém, cabe a pergunta: é possível consumir mais de um planeta? Sim, no curto e médio prazo, da mesma forma como é possível uma pessoa gastar mais do que recebe. Tudo depende das condições herdadas. Suponha que uma pessoa herdou uma empresa LTDA que tenha um capital de R$ 10 milhões de reais e forneça uma receita líquida mensal de R$ 20 mil para o herdeiro proprietário. Mas suponha que este felizardo proprietário resolva gastar em média R$ 30 mil por mês. Provavelmente este esbanjador conseguirá viver nesta situação por 20 ou 30 anos. Todavia, irá certamente à falência depois de destruir o patrimônio herdado. Isto acontece com frequência e está explícito naquele velho provérbio: “Pai rico, filho nobre, neto pobre”.

Jorginho Guinle é um “bom” exemplo (a ser evitado) de pessoa que passou toda a vida torrando os recursos herdados e prisioneiro de um consumismo fútil e exibicionista. Segundo a Wikipedia: “Jorge Guinle (1916-2004) foi um socialite, playboy e herdeiro milionário brasileiro. Viveu a época áurea do Rio de Janeiro entre a década de 1930 e 50, onde conheceu e acredita-se que tenha tido relações amorosas com diversas atrizes de Hollywood. Residiu no hotel Copacabana Palace (fundado por seu tio, Octávio Guinle) até a sua morte, gabando-se de nunca ter trabalhado na vida. Jorge se orgulhava de ter gasto a fortuna de quase cem milhões de reais que lhe foi deixada de herança”.

De certa forma, a humanidade está seguindo o princípio de Jorginho Guinle de viver dos recursos da herança (“trabalho morto” apropriado e acumulado, como ocorrido com os antigos Guinles) e gastar mais do que a mãe Terra oferece. A humanidade está vivendo da riqueza deixada e acumulada durante milhões de anos em forma de combustível fóssil. A economia e a renda per capita mundial cresce na medida em que essa herança é, literalmente, queimada.

Ou seja, a humanidade está consumindo e torrando o planeta morto e transformando a matéria orgânica fóssil em CO2 que fica acumulado na atmosfera (provocando o aquecimento global). Concomitantemente, o ser humano está também destruindo ou danificando seriamente as matas, os rios, os lagos e os oceanos. Ou seja, a humanidade está montando uma máquina de consumo que está queimando o planeta morto e destruindo o planeta vivo.

A falta de compromissos sérios por parte dos governos e das Conferências da ONU indica que este processo deve continuar até 2050.

Provavelmente, em meados do século XXI, os cerca de 9 billhões de habitantes do mundo estarão em situação semelhante àquela da senilidade de Jorginho Guinle (ou como o decadente idoso personagem central do romance Leite Derramado de Chico Buarque). Isto é, a humanidade vai estar com um passivo contábil muito grande, mas sem a contrapartida do ativo natural para sustentar o padrão de vida.

A continuidade deste processo vai tornar quase impossível a sobrevivência de todos os seres vivos depois que a humanidade queimar os restos do planeta morto e destruir o planeta vivo.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Entrevista com a historiadora Lise Sedrez


Entrevista a historiadora Lise Sedrez, professora do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IH-UFRJ)

Não são apenas os biólogos que se interessam por índices pluviométricos ou por troncos de árvores caídas. Historiadores também. São os historiadores da chamada "história ambiental", que desde os anos 1960, aproximadamente, vem se afirmando como um campo de estudos bastante produtivo e interdisciplinar da historiografia. Para saber mais a respeito, conversamos com a historiadora Lise Sedrez, atual professora do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Formada em História pela PUC-RJ, e tendo cursado mestrado e doutorado nos Estados Unidos, Sedrez é uma das maiores referências no Brasil quando o assunto é história ambiental. Confira abaixo como foi esse agradável bate-papo, o primeiro de 2012.

CAFÉ HISTÓRIA: Professora, antes de tudo, muito obrigado por atender o convite de entrevista do Café História. É um prazer tê-la conosco na rede. Começamos esse bate-papo com uma curiosidade ao mesmo tempo acadêmica e pessoal. Quando a chamada história ambiental se consolidou no horizonte dos historiadores e o que atraiu a sua atenção nesta história?

LISE SEDREZ: Oi Bruno. Eu que agradeço o convite. Bom, História ambiental, com este nome, é um produto dos anos 1970, quando se formou a American Society of Environmental History nos EUA. O nome mesmo vem do trabalho de um historiador chamado Roderick Nash, nos 60. É uma transformação na academia que acontece interligada às transformações na sociedades norte-americana, com o crescimento dos “novos movimentos sociais” - o ambientalismo e novo feminismo, por exemplo. Não é por acaso que no mesmo período (anos 1960 e 1970) se desenvolvem os chamados subaltern studies, os novos estudos de gênero (incluindo a queer history), e mesmo os estudos chicanos. Mas, para bem além do que acontecia nos EUA, historiadores há muito se ocupam das relações entre sociedade e natureza. Um dos trabalhos mais interessantes de Engels, por exemplo, discute a poluição na Inglaterra no bojo da Revolução Industrial. Gilberto Freyre escreve o maravilhoso Nordeste, que ele define como uma “história ecológica” - e isto em 1937. Obviamente, não é o mesmo tipo de história, com as mesmas questões metodológicas, quarenta anos depois, mas de resto, nada na historiografia permaneceu o mesmo nestes quarenta anos, nem em campos tradicionais como as narrativas nacionais. Por outro lado, a história do clima depois do ano 1000, de LaRoy Ladurie, mostra que estas novas questões acontecem em ambos os lados do Atlântico. E ninguém que tenha lido o Mediterrêneo de Braudel pode ignorar suas reflexões sobre o “tempo da terra” e as transformações do ambiente.

Já o meu envolvimento com história ambiental tem um quê de paixão e um quê da acaso. Eu me formei em história na PUC nos anos 1990, e estava no Rio de Janeiro em 1992, no Fórum Global, na Rio-92. Era algo contagiante, apaixonante, e eu me envolvi muito com organizações não governamentais, ambientalistas, como o Greenpeace. Alguns anos depois, quando decidi fazer um mestrado, procurei algo nesta área, e aí fui parar em New Jersey, onde o New Jersey Institute of Technology oferecia um Mestrado em Estudos de Políticas Ambientais. Meu orientador lá era John Opie, um historiador fabuloso, e um dos fundadores da American Society of Environmental History. Aí, era um pouco destino. Eu tinha que voltar para a História, mas com este viés. Quando fui para o doutorado, isto já estava muito claro para mim, e procurei programas que tivesse este tipo de abordagem, como a Stanford University, com o prof. John Wirth.

CAFÉ HISTÓRIA:É notável como os governos, as organizações, e as pessoas de uma forma geral estão muito mais interessadas hoje nas questões ambientais do que estavam há 60 ou 70 anos. O que foi determinante para que ocorresse essa “mudança de consciência”? O crescimento da história ambiental é um sinal destes novos tempos?

LISE SEDREZ: Bruno, como falei antes, logicamente há uma relação entre o desenvolvimento da história ambiental como disciplina e este nova percepção da natureza como vulnerável. Na minha pesquisa sobre a baía de Guanabara, isto fica muito óbvio: o sonho dos engenheiros do início do século XX era uma transformação da baía para o embelezamento da cidade, e a baía era quase uma tela sobre a qual se exercitava a excelência da engenharia nacional; no fim do mesmo século, a dor de cabeça é como “salvar” a baía da poluição, do sufocamento por estas mesmas engenharia e indústria nacional tanto celebrados. Há muitos fatores que contribuíram para esta “mudança de consciência”, como disseste. Há momentos chaves no século XX que mudam a percepção das relações entre sociedades e natureza, mas, principalmente, da capacidade das sociedades humanas de transformar drasticamente a natureza. Se quisermos, é possível pensar mesmo num Elisée Reclus, John Muir ou mesmo Aldo Leopold, e sua maravilhosa definição de “ética da terra” e “comunidade biótica”.

CAFÉ HISTÓRIA: A Sociedade Latino-Americana e Caribenha de História Ambiental foi fundada em 2006, reunindo pesquisadores de todo o continente. Qual foi a participação dos historiadores brasileiros nesta sociedade? Podemos dizer que o Brasil é uma potencial regional no que se refere a história ambiental?

LISE SEDREZ: Brasileiros certamente estiveram presentes desde a fundação da sociedade. Alguns nomes que vem imediatamente à cabeça: José Augusto Pádua, Regina Horta, Eunice Nodari e eu mesma. O Brasil é uma referência no que se refere à história ambiental latino-americana, tendo inclusive hospedado o IV Simpósio da SOLCHA, em Belo Horizonte, em 2008. http://www.fafich.ufmg.br/solcha/. Mas não é só isto. A gente tem estabelecido redes de estudos de história ambiental em todo o Brasil, e os contatos com os EUA, que ainda são o maior centro de pesquisas na área, tem se multiplicado. De fato, a UFRJ vai organizar em dezembro de 2012 um simpósio EUA-Brasil sobre os principais temas de história ambiental nestes dois países.

CAFÉ HISTÓRIA: Índices pluviométricos, troncos de árvores caídas, relatórios de poluição física ou atmosférica. Tudo isso pode ser considerado fonte para o historiador ambiental. Mas como é o acesso a esse tipo de fonte? Que tipos de arquivos são visitados por quem estuda a interação do homem com o ambiente, no passado? É um trabalho de pesquisa que se diferencia muito de uma pesquisa, chamemos aqui, de tipo mais tradicional?

LISE SEDREZ: A resposta aqui é sim e não. Certamente a gente entra nos arquivos tradicionais, mas os lê de uma forma diferente. Por exemplo, Emmanuel La Roy Ladurie, na sua história do clima depois do ano 1000, desenvolve um estudo muito interessante do clima medieval, a partir de fontes que já tinham sido analisados por dezenas de historiadores: as longas séries sobre a qualidade do vinho na França e na Alemanha, algumas chegando até antes do século XI. A qualidade do vinho, sua doçura, o quanto é encorpado, tudo isto nos fala também das chuvas, das secas, dos períodos de fome e de fartura. Isto é história ambiental, e o livro foi publicado pela primeira vez em 1971. Além disto, lógico, a gente tem que sair um pouco da zona de conforto. História ambiental é por definição interdisciplinar, e a gente acaba tendo que mergulhar em relatórios científicos, química, física, biologia. Para fazer meu estudo sobre a Baía de Guanabara ao longo do século XX, por exemplo, tive que ler vários textos de engenheiros sanitários, tentando entender conceitos como demanda bioquímica de oxigênio, nichos ecológicos e outros termos próprios. Mas eu não daria a isto uma importância (ou uma dificuldade) exagerada. Todas as áreas da história tem vocabulários próprios e demandas próprias. História econômica, por exemplo, exige conhecimentos de regressões, e mais estatística do que eu jamais vou querer aprender. Como fazer estudos de gênero sem um bom entendimento de discussões de identidade e sociologia de gênero? Ou vamos pensar em história legal - todo aquela linguagem de “legalês” e as contradições entre o direito romano e suas interpretações posteriores. Estas pontes que a história constrói com outras disciplinas são parte mesmo do que a gente entendo por história, seja história ambiental ou outros ramos com maior tradição na historiografia.

CAFÉ HISTÓRIA: Professora, a senhora diz que a história ambiental é, por definição, interdisciplinar. Ela resulta do trabalho tanto de historiadores como de geógrafos, demógrafos, biólogos, engenheiros florestais, climatólogos e antropólogos, dentre outros tantos estudiosos das relações entre natureza e sociedade. Mas como essas parcerias são construídas na prática? Quais são os canais de comunicação e interação que conectam esses pesquisadores? E mais: qual o desafio de abordagem metodológica para o historiador numa área construída a tantas mãos?

LISE SEDREZ: Estas parcerias são construías como tantas outras na comunidade acadêmica: contatos, pareceres, estudos. Os trabalhos não tem necessariamente que ser construídos com várias mãos, mas a área sim. Warren Dean uma vez disse que, quando escrevia seu monumental The Struggle for Rubber, uma história da exploração de borracha na Amazônia, e mesmo mais tarde seu magistral A Ferro e Fogo, uma história de 500 anos da Mata Atlântica, ele passou anos importunando seus amigos e colegas biólogos e cientistas, pedindo referências, recuperando fontes, solicitando esclarecimentos. As instituições profissionais de história ambiental, como a ASEH, a ESEH e a SOLCHA, também encorajam muito a participação de não historiadores em suas pesquisas, o que admito que às vezes é complicado. Temos às vezes biólogos extremamente entusiasmados porque acharam uma série histórica, como a da exploração de pérolas no mar da Baja California (Mar de Cortez), por exemplo. Este é um caso específico em que a colaboração de biólogos e historiadores foi muito proveitosa. MIcheline Cariño, que é a atual presidente da SOLCHA, estava em contato com estes biólogos, e foi um trabalho enorme reformular a pesquisa para mais do que “fatos históricos curiosos”, em direção a um diálogo com a historiografia sobre a ocupação econômica, social e étnica daquele espaço, sobre como os ciclos ecológicos das pérolas num ambiente vulnerável como a Baja California aguçava as disputas por poder, se inseria em instituições tradicionais no México como a peonage, etc. Acho que a resposta aqui é que não há uma resposta padrão. Esta comunidade de historiadores ambientais e outros cientistas com interesse na história buscam estabelecer estes contatos na medida que seus objetos de pesquisa o exigem, e os desafios são enfrentados na media que aparecem.

CAFÉ HISTÓRIA: O aquecimento global é atualmente um dos temas mais quentes (com o perdão do trocadilho) e populares no plano da discussão ambiental. Além de ocupar um espaço importante na imprensa nacional e internacional, o tema é pauta sempre presente nos encontros de líderes mundiais, tornou-se objeto de um número cada vez maior artigos científicos e razão de protesto das mais importantes organizações mundiais. Prova dessa popularidade é o sucesso do documentário do político norte-americano Al Gore, “Uma Verdade Inconveniente” (2006), premiado como Oscar de melhor documentário. O filme, aliás, expos um verdadeiro racha: de um lado estão cientistas que acreditam que o aquecimento global decorre da interferência humana; de outro, estão os mais céticos, chamados pejorativamente de “negacionistas”, que defendem que o aquecimento global é algo inerente ao nosso planeta. Como os historiadores veem se posicionando nesta arena de disputas? E a senhora, como enxerga esta questão?

LISE SEDREZ: Bom, do ponto de vista científico, esta divisão em dois lados é uma falsa questão. É como colocar de um lado “evolucionistas” e do outro “criacionistas”. Na pesquisa científica, não são “lados equivalentes”- embora para o historiador do fim do século XX, início do século XXI, estas sejam disputas fascinantes. Há muitos historiadores que desenvolvem pesquisas climáticas - citei Ladurie, desde 1971, mas há muitos outros, como Nancy Langston e Tom Griffiths. Mas um dos livros mais interessantes que li sobre esta questão é o Merchants of Doubt, de Erik Conway e Naomi Oreskes. Eles trabalham de fato com história da ciência, mas Erik já há vários anos lida com esta fronteira entre história da ciência e história ambiental. No livro, publicado ano passado, fácil de ler, dá para baixar no Kindle, eles mostram como estas “falsas polêmicas” científicas tem uma história e estabelecem uma sólida conexão entre os cientistas que hoje dizem que “não há certeza sobre a origem antropogênica da mudança climática” e os que diziam que “não há certeza sobre um elo causal entre fumo e câncer.” E quando digo sólida conexão quero dizer sólida mesmo, com os mesmos cientistas, os mesmos institutos, se posicionando consistentemente contra uma esmagadora maioria de estudos, a fim de obstruir a tomada de políticas públicas, sejam elas de campanhas contra fumo ou assinaturas de tratados internacionais para controle de emissões de gases que causam efeito estufa. Meu ponto (e o deles) é mostrar que esta falsa polêmica tem menos a ver com uma história do clima e mais a ver com as relações de poder que se estabelecem entre a comunidade científica e a esfera pública. O que não a torna menos fascinante, ao contrário.

CAFÉ HISTÓRIA: Professora, a senhora faz parte hoje do quadro docente do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Que atividades no campo da história ambiental estão sendo desenvolvidas nesta universidade? Que pesquisas destacaria? Há muitos alunos de graduação ou de pós-graduação trabalhando na área?

LISE SEDREZ: A possibilidade de trabalhar com história ambiental foi um dos pontos que mais me atraiu para a UFRJ. O prof. José Augusto Pádua, professor da casa há vários anos, estabeleceu um núcleo de estudos ambientais que estamos ampliando. O núcleo consiste de professores, alunos de graduação e pós-graduação, de várias universidades do Rio de Janeiro, que se reúnem todas as quintas feiras, das 14H às 16H, para leituras, debates, discussões. Em 2012, este espaço terá o prof. Angus Wright, emérito da California State University em Sacramento, ministrando um minicurso sobre história agrária e ecologia, uma discussão sobre internacionalismo, pesticidas, copyrights, modelos agrícolas, interessantíssimo. Estamos sempre atentos para formas de diversificar este espaço, promover atividades, estimular mais pesquisas. É isto está dando frutos. Este ano mesmo tivemos vários candidatos nas seleções de mestrado e doutorado que queriam trabalhar com história ambiental. Há desde pesquisas mais tradicionais na historiografia brasileira (como pesquisas sobre viajantes e naturalistas do século XIX) até tentativas mais ousadas, como pesquisas sobre as chuvas no Rio de Janeiro e Buenos Aires, um estudo de história ambiental urbana.

CAFÉ HISTÓRIA:A senhora estudou e trabalhou durante vários anos nos Estados Unidos. Pode contar um pouco mais sobre este período? A história ambiental feita lá difere muito da história ambiental feita aqui no Brasil?

LISE SEDREZ: Como mencionei antes, fiz meu mestrado e doutorado em história ambiental, primeiro na New Jersey Institute of Technology e depois na Stanford University. Depois disto, dei aula no College of William and Mary, em Williamsburg, Virginia, um dos mais antigos estabelecimentos de ensino superior nos EUA, e finalmente na California State University em Long Beach, onde fiquei até ano passado. Foi um grande período de aprendizado, de descobertas, e de muitas viagens. Basta dizer que atravessei os EUA de carro umas três vezes, levando de 15 a 24 dias cada vez (tem louco que faz isto em cinco dias). Eu me apaixonei pelo país, pelas paisagens duras ou emocionantes, inóspitas ou acolhedoras, pelas pessoas, e mesmo pelas loucuras da vida americana. O que não significa não ser crítica - como o são tantos que moram lá, latinos como eu ou não. A história ambiental tanto nos EUA como na América Latina tem mudado muito nos últimos anos, até pelo contato e amadurecimento da disciplina. Vinte anos atrás, a história ambiental norte americana costumava ser mais provinciana, no sentido de muito voltada para o “próprio umbigo”, para uma certa narrativa excepcionalista que caracteriza os EUA. E isto mudou. Há mais busca do contraste, da comparação, da similaridade, do outro. Há uma procura para entender como experiências nos EUA podem ser diversas ou similares às experiências na África, na Ásia, na Europa, na América do Sul. E isto é visível, por exemplo, nos títulos e temas dos trabalhos apresentados nos encontros da ASEH. No Brasil, por outro lado, o que a gente chama de história ambiental “nasce” a partir de vários caminhos: geografia histórica, política, história econômica. Isto desde, por exemplo, Euclides da Cunha em Os Sertões, ou Gilberto Freyre em Nordeste. O desafio é diferente. É buscar a partir destes caminhos estabelecer um quadro teórico, ou melhor, um espectro de quadros teóricos, e uma agenda metodológica que ofereça à história ambiental um lugar claro e visível na historiografia brasileira. Nisto acho que a experiência da história ambiental norte-americana pode ajudar.

CAFÉ HISTÓRIA: Professora, a senhora diz que há um esforço de incorporar o debate de história ambiental nas cadeiras obrigatórias nas faculdades de história, evitando a formação de “guetos disciplinares”. Na sua opinião, este esforço já tem resultados positivos? Como isso pode ser feito? Será que essa discussão tem fôlego para chegar ao currículo das escolas?

LISE SEDREZ: Esta última pergunta é difícil, mas eu já tenho alunos de graduação fazendo seus trabalhos de fim de curso neste tópico. Alguns dos meus alunos, por exemplo, analisaram livros didáticos de segundo grau e tentaram entender se e como a história ambiental entrava nas escolas. O resultado foi com altos e baixos. Alguns livros parecem estar incorporando questões da história ambiental, mas, na maior parte das vezes, é só naquele quadrinho explicativo - nisto, não estamos tão diferentes de outras sub-disciplinas, como história de gênero. Depois de uma narrativa bem tradicional, os autores, como se só então lhes tivesse ocorrido, acrescentam um quadrinho dizendo “A propósito, também houve desmatamento neste período” ou “A propósito, também havia mulheres por ali”. Mas alguma coisa já chega lá. Muitas escolas também estão introduzindo educação ambiental no currículo regular, e isto pode incluir alguma discussão de história ambiental. Mas raramente os professores de história se envolvem nesta matéria. Fica mais a cargo dos professores de ciência.

Pessoalmente, acho que o único jeito de história ambiental se desenvolver, e não só no Brasil, é realmente evitando a guetização. Por exemplo, quando ensino história das Américas, a inserção da América Latina no contexto internacional do fim do século XIX passa necessariamente pelo que chamamos de “segunda conquista da América”, uma mudança radical de paisagens e de uso da terra que é um tema clássico da história ambiental. da mesma forma, a conquista do Oeste na história norte americana precisa entender a ocupação das terras indígenas, a destruição do búfalo, a construção das grandes ferrovias e seus custos ambientais - e isto é importante não só para o historiador ambiental, mas para qualquer profissional interessado em história dos EUA no século XiX. Dá trabalho? Dá. Mas também dá frutos, e permite ao estudante, ao futuro historiador abordar as complexidades e as promessas do estudo de história.

CAFÉ HISTÓRIA: Professora Lise, muito obrigado pela entrevista. Tenho certeza que os leitores do Café História possuem grande interesse no que foi dito aqui. Para finalizar, a senhora poderia indicar algumas referencias bibliográficas ou artigos de história ambiental para aqueles que querem se aprofundar no campo?

LISE SEDREZ: O prazer foi todo meu, Bruno.
Bom, esta pergunta me dá uma oportunidade de vender meu peixe. Nos últimos dez anos, tenho mantido uma bibliografia online de história ambiental da América Latina, que pode ser vista em http://www.csulb.edu/laeh de fato, com o apoio da FAPERJ, estou em processo de transferí-la para a UFRJ, adaptando-a ao público latino-americano (por enquanto ela está basicamente em inglês). Ali há mais de mil referências de história ambiental latino-americana, num banco de dados que pode ser pesquisado por autor, tema, palavra chave, título... Mas, para dar uma resposta mais direta, os três textos em português que eu indicaria, para uma introdução à história ambiental, são:

DUARTE, Regina Horta. Por um pensamento ambiental histórico: o caso do Brasil. Luso-Brazilian Review, v.41, n.2, p.144-62, 2005.

PADUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estud. av., São Paulo, v. 24, n. 68, 2010.

WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, v.4, n.8, p.198-215, 1991.