terça-feira, 8 de setembro de 2009

Os “Rurbanos” contra a natureza

Por Augustine Berque

Filadélfia, outubro de 2000. Em uma palestra sobre o habitathumano, o geógrafo Brian J. L. Berry apresentou à platéia o termo “e-urbanização”. Sua reflexão abarcava basicamente os Estados Unidos. Na ocasião, Berry afirmou que a dispersão do habitat, já em curso, fora virtualmente induzida pela fusão perfeita entre a revolução na informática e o “mito norte-americano” – combinação do gosto pela novidade, do desejo de estar em contato com a natureza, do sentimento de existência de um destino e do crisol de onde sai, supostamente, a “nova raça” norte-americana.

Para Berry, essa movimentação já existia há tempos, mas foi freada pela era industrial mais pesada, que impôs a concentração, e voltou à tona apenas no processo de metropolização, quando os carros começaram a diluir os centros urbanos. A partir daí, as formas individuais de interação se desenvolveram e, apesar de cada vez mais estereotipadas, facilitaram as relações à distância, que implicavam no consumo do espaço ligado ao uso massivo do automóvel. Veio então o ciberespaço, concretizado pela e-urbanização, e a tendência foi ampliada: agora a internet permite morar em meio à natureza, encomendando tudo sem sair de casa, sem precisar ir ao trabalho ou fazer compras na cidade. A essência da “americanidade” era finalmente concretizada com a abolição da cidade!

Na Europa, esse modelo é tolhido, até certo ponto, pelo ideal da cidade. Quando lhe perguntaram o que corresponderia a tal ideal nos Estados Unidos, Berry respondeu, após alguns instantes, de reflexão: “a natureza”.

Na época, eu dava aula numa universidade japonesa em que se estudava as aplicações da informática ao habitat. Em uma discussão, meus alunos exprimiram ideais bastante próximos aos de Berry, mas com uma pequena diferença: para eles, a aspiração de morar junto à natureza se explicava pela permanência da mentalidade japonesa, que transcendia os avanços tecnológicos. Assim, tanto o mito norte-americano quanto seu equivalente nipônico coincidiam em encontrar na busca da natureza a expressão de sua respectiva autenticidade.

É impressionante que nenhum dos dois países perceba que a urbanização difusa, longe de beneficiar a natureza, tem como efeito principal o aumento da pressão humana sobre o ambiente. Ou seja, causa a destruição do próprio objeto de desejo. É o que ilustra a parábola do entregador de tofu: suponha uma cidade tradicional, bem compacta, antes da popularização do automóvel. Cem habitantes iam a pé comprar tofu na loja da esquina. Agora, tomemos o urbano difuso. Cada um desses cem habitantes mora numa casa individual, isolada no fim de uma estradinha, e encomenda o tofu pela internet. Para entregar a mercadoria passam a ser necessárias cem viagens motorizadas no fim de cem ruas. O que é mais ecológico, a cidadezinha ou o urbano difuso?

Apoiados em números, os urbanistas e os geógrafos provaram que um habitat disperso é indiscutivelmente mais caro que uma cidade com população equivalente. A isso se contrapôs um argumento forte, fundado em pesquisas de opinião exemplarmente estáveis: três quartos da população queriam casas individuais. Uma afirmação surreal e impossível de se concretizar! Mesmo assim, o mercado tentou organizar a empreitada: no final do século XX, o urbano difuso se disseminou em todos os países ricos.

Como o fenômeno está diretamente ligado ao uso do automóvel [1], ele se manifestou precocemente nos Estados Unidos. Em 1964, o urbanista norte-americano Melvin Webber foi o primeiro a chamar a atenção para a mudança[2]: conforme sua tese, a cidade de antigamente, bem circunscrita e diferente do campo, deu lugar ao que ele chamou de “domínio urbano”.

Não se deve confundir essa forma de urbanização com a multiplicação das metrópoles, que ocorre nos países pobres (os ricos já haviam passado por esse processo de desenvolvimento). No urbano difuso, os habitantes são sociologicamente citadinos, não camponeses, mas o habitatque procuram é rural. Por isso eles fogem da cidade, estabelecendo um segundo domicílio ou um lar definitivo. Já nos países pobres é do campo que se foge, em busca da cidade.

Entre esses dois pólos teóricos não faltam situações intermediárias. Historicamente, a periferia precede o urbano difuso. A partir dessa etapa, a situação varia de país para país. Grosso modo, pode-se distinguir um tipo oceânico, no qual os ricos moram longe do centro, e um tipo continental, em que se verifica o contrário. O mundo anglo-saxão e o Japão são de tipo oceânico; a França, de tipo continental. Mais recentemente, o fenômeno complicou-se nas grandes cidades, com uma tendência ao aburguesamento dos centros, tornados inacessíveis à classe média pela especulação imobiliária [3]. Nos bairros centrais do Japão, por exemplo, a renovação urbana multiplica os manshon, prédios altíssimos em que os apartamentos são vendidos a preços igualmente elevados.

Nos países ricos, detecta-se uma tendência global à urbanização difusa do conjunto dos territórios à medida que uma população de tipo urbano tende a substituir as antigas camadas camponesas. E, seja qual for a razão conjuntural que leve à decisão de comprar um imóvel mais ou menos longe dos centros, a motivação mais generalizada desse movimento é o desejo de morar perto da natureza.

Claro, aquilo que um americano e um japonês médios entendem por “natureza” difere consideravelmente [4]. Depende dos ambientes e da história. No entanto, o fenômeno do urbano difuso manifesta uma convergência para modos de vida análogos. Mas por que as sociedades ricas passaram a idealizar esse modelo de habitação? (ler nesta edição)

Essa história se estende por mais de três milênios, desde as suas expressões mitológicas mais antigas até as motivações contemporâneas. E hoje chegou a um paradoxo insustentável: a busca da “natureza” como paisagem destrói seu próprio objeto, a natureza como ecossistemas e biosfera. Associada ao automóvel, a casa individual passou a ser a força motriz de um gênero de vida cuja desmesurada “pegada ecológica” [5] leva a um superconsumo dos recursos naturais, uma situação insustentável em longo prazo. O urbano difuso dilapida o capital ecológico da humanidade e nos leva, literalmente, ao suicídio.

[1] Para nos limitarmos à compra e venda de combustível, um estudo de Newman e Kenworthy comparando 32 cidades ricas, ultimamente muito citado na imprensa internacional (p. ex., Libération, 12-13 de janeiro de 2007, p. 34), mostra que esse consumo é inversamente proporcional à densidade: máximo em Houston, mínimo em Hong-Kong.

[2] Melvin Webber, L’Urbain sans lieu ni bornes [O urbano sem lugar nem limite], L’Aube, La Tour d’Aigues, 1996.

[3] François Ruffin, “Penser la ville pour que les riches y vivent heureux” [“Pensar a cidade para que os ricos vivam feliz”], Le Monde diplomatique, janeiro de 2007.

[4] Compare-se, por exemplo, Max Oelschlaeger, The idea of wilderness, from Prehistory to the Age of Ecology [“O ideal de regiões despovoadas, da Pré-história à Era da Ecologia], New Haven, Yale University Press, 1991, e Augustin Berque,Le Sauvage et l’artifice. Les Japonais devant la nature [O selvagem e o artifício. Os japoneses diante da naturaza], Paris, Gallimard, 1986.

[5] “Pegada ecológica”: extensão necessária à renovação, pelos ecossistemas, dos recursos que destruímos. Atualmente, a “pegada ecológica” da humanidade é superior a um terço da biocapacidade da Terra.

Fonte: Jornal Le Monde – http://diplo.uol.com.br/

sábado, 5 de setembro de 2009

Da História Ambiental à Consciência Ecológica


Por Douglas Barraqui

O futuro nunca dependeu tanto do presente como agora. Embora, já na década de 1960 o meio ambiente tomava seu espaço na agenda política de vários países, em nenhum outro momento os alarmes tocados pelas entidades ligadas ao meio ambiente e por cientistas se fizeram tanto ouvir.

As provas empíricas de uma realidade atroz, a de uma crise ambiental em proporções catastróficas, estão por todas as partes, é neste aspecto que as ciências humanas e naturais são desafiadas a provar seu valor e justificar suas eficiências enquanto ramos da produção do conhecimento humano.

Após a segunda Grande Guerra, houve um gradativo crescimento da sociedade de consumo na América do Norte e na Europa, fazendo com que aumentasse a pressão sobre os recursos naturais do planeta; os debates ambientais passam ser calorosos e surgem novos paradigmas. Como uma disciplina na qual seu objeto é o homem, e mais precisamente os homens no tempo [1], a historiografia era desafiada a enfrentar um novo problema, novas abordagens e novas questões. Eis que surge, no âmbito científico e acadêmico Norte Americano, a environmental history (história ambiental): “como um sujeito, é o estudo de como os seres humanos têm relacionado, com mundo natural através do tempo; como um método, é a aplicação de princípios ecológicos para a história” [2]; “sua principal meta é aprofundar nossa compreensão de como os seres humanos têm sido afetados pelo seu ambiente natural através do tempo e, inversamente, como eles têm afetado o ambiente e com que resultados” [3].

O problema epistemológico da história não pode ficar resumido a um problema intelectual e científico, há algo mais além que, agora mais do que nunca, o historiador será provado e terá que enfrentar: um problema cívico e mesmo moral, o historiador tem que prestar contas [4]. É fundamental, portanto, compreender onde se dá a aplicação prática da história ambiental a fim de identificar e dissolver os gargalos que limitam seu espaço de atuação. Para tanto, a iniciativa terá que partir do próprio homem, aquele que não deixa o passado ser esquecido. O historiador terá que engolir qualquer orgulho acadêmico ou de formação teórica, suplantar qualquer forma de “pré-conceito” na troca do saber entre outros ramos da produção do conhecimento e olhar para o meio ambiente – seu meio ambiente – como sua base de existência e o limite do fim da história.

O objetivo em questão é colocar a natureza de volta aos estudos históricos, condicionalmente, explorar as formas pelas quais o mundo biofísico tem influenciado o curso da história da humanidade e as formas, assim como os porquês, que as pessoas têm transformado o seu meio [5]. Na qualidade de pesquisador elenco pontos que, em nossa conjuntura histórica de emergência para uma tomada de ação, são valorosos para o campo da história ambiental: 1) reconhecer a importância e necessidade de um olhar que caminhe pela interdisciplinaridade, promovendo o envolvimento entre as disciplinas, respeitando e reconhecendo suas respectivas fronteiras, caminhando na direção da interação a fim de ampliar o campo de visão da história. 2) fomentar a crescente interação internacional – tendo em vista que as problemáticas referente a meio ambiente tem que ser assistidas por todos os países – das ciências humanas e sociais através da cooperação entre os centros de pesquisas. 3) aproximar os problemas, os resultados e as soluções aos receptores – que não podem ser vistos como passivos do conhecimento alheio – afim de que possam interagir no processo que depende de todos a fim de uma maior consciência ecológica.

Não é mais contra a natureza que devemos lutar – até século XIX as formas e corpos naturais eram encaradas puramente como empecilhos a ocupação humana – mas, sim em sua defesa. A adoção de uma “paradigma de imunidade humana” (human exemptionalism paradigm) aos fatores da natureza, podem ajudar a explicar o motivo da antipatia das ciências sociais – desde suas origens – quanto a um “despertar ecológico” [6]. Seria, portanto, uma ignorância confinar e limitar as ciências sociais às pesquisas básicas e, um crime, em longo prazo ignorar sua contribuição, em um momento em que uma revolução na sensibilidade humana é tão necessária.

Avançar nas concepções das relações homem/natureza constitui uma tarefa difícil, mas de extrema necessidade. A história ambiental não pode ser encarada, portanto, como um mero movimento ambientalista no ceio da historia, um modismo passageiro e, tão pouco como uma história do ambientalismo. Em uma aplicação prática é denuncia pública? Sim, mas é também um ramo de produção do conhecimento com fundamentais reflexões e embates filosóficos e historiográficos. O que está em jogo não é a sobrevivência da história ou um simples esforço para ampliar o campo de narrativa da historiografia, mas sim, a sobrevivência da humanidade e do planeta.

NOTAS:

[1] BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. Pg. 24.

[2] HUGHES, J. Donald. Ecology and Development as Narrative Themes of World History. Environmental History Review 19:1-16 (Spring 1995) Pan's Travail, London, 1994. Pg. 3

[3] WORSTER, Donald. Ed. The Ends of the Earth: Perspectives on Modern Environmental History. Cambridge; New York: CambridgeUniversity Press, 1988. Pg. 290-291.

[4] BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. Pg. 17.

[5] WORSTER, Donald. "Path Across the Levee”, In: The Wealth of Nature. Environmental History and the Ecological Imagination (Oxford, 1993), p. 20.

[6] DRUMMOND, José Augusto. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/84.pdf. Acesso em 5 agosto de 2009.

BIBLIOGRAFIAS:

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002.

DRUMMOND, José Augusto. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/84.pdf. Acesso em 5 agosto de 2009.

HUGHES, J. Donald. Ecology and Development as Narrative Themes of World History. Environmental History Review 19:1-16 (Spring 1995) Pan's Travail, London, 1994.

WORSTER, Donald. Ed. The Ends of the Earth: Perspectives on Modern Environmental History. Cambridge; New York: CambridgeUniversity Press, 1988.

WORSTER, Donald. "Path Across the Levee”, In: The Wealth of Nature. Environmental History and the Ecological Imagination (Oxford, 1993).



Você também pode ter acesso a este artigo na Rede Brasileira de História Ambiental (RBHA).

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

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HISTÓRIA DAS PAISAGENS

De Francisco Carlos Teixeira da Silva, análise por Douglas Barraqui

O que se segue, caro leitor, é uma breve resumo analítico sobre o texto, história das paisagens, de Francisco Carlos Teixeira da Silva, disponível na obra organizada por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas Domínios da História.

Embora aparente ser uma disciplina nova, com uma densidade teórica ainda frágil e poucos exemplos práticos, a história das paisagens é um campo antigo – mais antigo mesmo do que a história social ou a história demográfica.

Estudiosos alemães, franceses e ingleses – desde o início do século e, especialmente, na década de 1930 – produziram obras que delimitaram, entre a geografia humana ou histórica e a história agrária, um campo novo.

Definição do campo

Desde o final do século XVIII há, entretanto, uma sólida tendência de pensar a natureza em oposição ao homem ou a cultura. Particularmente o idealismo e o romantismo alemães, no século XIX, forçaram a uma distancia absoluta entre natur e kultur. Tal visão contaminou fortemente a história, como as demais ciências sociais, de forma a estabelecer uma periodização em que ambos os termos aparecessem como pontas opostas de um processo.

A distinção entre paisagem física e paisagem cultural, como feita na história, e que ainda prevalece na geografia, nos diz Francisco, deve ceder espaço para uma nova visão, cuja ênfase recai nos resultados da ação do homem sobre o meio ambiente. Devemos entender a natureza, nesta visão, não mais como um dado externo e imóvel, mas como produto de uma prolongada atividade humana: “... a natureza virgem não é mais do que um mito criado pela ideologia de civilizado sonhadora de um mundo diferente do seu”.

Pretende-se, assim, superar a visão tradicional das ciências humanas de considerar as “forças naturais” como um fator externo ao processo histórico: “... [é necessário] integrar a aparente dicotomia homem/natureza num quadro de referencia histórica mais vasta”. Tal processo é complexo, se inscreve na longa duração e é, em larga escala, involuntário.

Desde seus primeiros trabalhos Roger Dion, Marc Bloch ou Robert Gradmann destacam o campo, a aldeia e o bosque como os temas centrais da história das paisagens.

Entretanto trabalhos mais recentes como os de Jean-Robert Pitte e a vigorosa Histoire de La France Urbaine de G. Duby (surgida em 1983), ampliaram o campo de investigação em direção à história urbana.

A incorporação das grandes massas de adensamento humano e seu peso sobre o meio ambiente impõe-se como tema ao historiador. Trata-se de uma visão de conjunto, do enlace de múltiplas variáveis, em uma duração sempre longa. Impõe-se para tal uma abordagem holística, de conjunto, uma síntese para além das histórias particulares.

Os suportes teóricos

O tratamento das relações homem/natureza é o campo próprio da ecologia humana. Suas origens remontam o século XIX. (...) o alemão Ernst Haeckel (1834 – 1919) formular pela primeira vez, em 1869, seu campo de interesse: “a soma de todas as relações amigáveis ou antagonistas de um animal ou de uma planta com o meio inorgânico, neste incluído outros seres vivos”. Seu ponto de partida foi o trabalho de Charles Darwin, Origem das Espécies, publicado em 1859. Permanece a competição dos seres vivos, pelos recursos naturais, culminando com a vitória dos mais aptos. Na verdade, ambos – tanto Darwin quanto Haeckel – estavam sob influência direta do profundo pessimismo de Malthus. (...) Na Europa imperialista avolumava-se uma visão reducionista da natureza: uma percepção utilitária, claramente ancorada na idéia de função econômica.

A superação de tal análise, etnocêntrica e reducionista, se dá, em larga escala, pelo contato com o marxismo. (...) pensando as diferenças sociais, econômicas e culturais, diversificando, no tempo e no espaço, o tipo da organização da produção da vida material. (...) coube à antropologia marxista a recuperação dos variados sistemas de relacionamentos entre o homem e a natureza. (...) Ao mesmo tempo pode-se negar a afirmação da análise substantivista, como em Karl Polanyi, de que somente as sociedades altamente mercantilizadas seriam capazes de estratégias de otimização do uso dos recursos naturais.

À tal visão multilinear das relações homem/natureza somar-se-ia, na década de 1980, uma nova visão de (auto) regulação dos sistemas. (...) sob o influxo de Von Neumann, penaram-se os sistemas em termos de retroação – o feedback.

No caso da análise histórica das paisagens deve-se considerar que são sistemas abertos, submetidos permanentemente a fatores aleatórios – entre os quais os variados tipos de ação humana – cujos resultados não são previsíveis.

As abordagens históricas

Witold Kula afirma que a paisagem se divide “cientificamente em paisagem natural e paisagem cultural”. O critério de distinção de uma para outra residirá em ter sido, ou não, transformado pela ação humana. Por fim conclui que na prática só a paisagem cultural é objeto de estudo do historiador.

Entretanto a antropologia, advertia que, uma distinção formal entre “natureza” e “cultura” era bastante difícil de estabelecer e, talvez, prejudicial. A paisagem surgia como produto da técnica (conjunto de recursos, materiais ou não, capazes de garantir a sobrevivência do homem) e do direito (normas e exigências estabelecidas pelo grupo humano). Ora, podemos ter exemplo em que ambos os casos combinam-se plenamente os fatores técnica e direito para definir e fixar uma paisagem.

Assim, nos diz o autor, tal como aborda a antropologia, como resultado de vários fatores, todos fundamentais na organização do espaço, pode-se enumerar: (1) os dados da geografia física; (2) os dados do direito; (3) a tecnologia disponível; (4) os dados da demografia; e (5) os dados da sociologia.

1. Os dados da geografia: nessa definição a geografia não definiria o quadro de análise e, muito menos, o processo histórico. A geografia apresenta-se assim, como condição sensível inicial, mas incapaz de determinar qualquer processo linear de evolução.

2. Os dados do direito: compreendemos aqui como os dados do direito o conjunto de regras, normas e tradições que regulam a apropriação e o uso da natureza pelo homem. Parcelas, cercas, campos homogêneos e áreas comunais – tudo depende das regras admitidas ou impostas pelo/ao grupo. Não só a paisagem rural é determinada amplamente pelo direito, mas também a urbana.

3. Os dados da tecnologia: toda a atividade humana frente a natureza é regida por um elemento básico: “a atividade econômica do homem é sempre um processo de intercâmbio de energia com a natureza”, como nos diz Kula. Ora, tal processo se dá através da produção de instrumentos técnicos que garantam a subsistência humana. A aplicação destas técnicas sobre os recursos naturais promovem um incessante processo de mudanças e alterações na natureza que, longe de permanecer imóvel, evolui, com ritmos diferentes e em direções diferentes. Historicamente coube ao fogo o primeiro papel de recurso técnico capaz de ser utilizado em larga escala como poupador do trabalho.

4. Os dados da demografia: em verdade é fundamental o cruzamento dos dados de população com a tecnologia disponível pelo grupo social para se estabelecer se há, ou não, uma relação positiva com a produção necessária de bens. Marc Bloch explica, por exemplo, como no início do século XIV uma população de 21 a 22 milhões de habitantes – cálculo mínimo – fazia da frança um país populoso: “... a sensação de escassez de terras, atitudes que, atitude que, ante extensões vazias, poderia julgar-se paradoxal, encontra uma explicação nas imperiosas necessidades de uma agricultura essencialmente extensiva. Em suma em vez de nomadismo de homens, o que havia era... uma espécie de nomadismo de campos”.

5. Os dados da sociologia: as decisões que incidem largamente sobre a paisagem – como o povoamento, a incorporação de novas técnicas ou a imposição de normas – dependem da existência de um centro de poder, de hierarquia social eficaz, em suma, de capacidade de coerção. No século XIX e início do século XX a presença de um forte proletariado urbano obrigou as autoridades a tomar decisões sobre o reordenamento do espaço urbano. Assim é importante que tais critérios sejam claramente explicitados, evitando respostas imediatistas.

As fontes

As fontes mais importantes para a análise das paisagens são variadas: códigos de posturas, registros fundiários, livros ou tratados de agronomia, a arqueologia, inclusive industrial, relato de viajantes e, naturalmente, a iconografia são fontes clássicas utilizadas por Roger Dion, Robert Gradmann ou Marc Bloch. Evidentemente, velhas fontes já utilizadas devem ser relidas à luz de novos objetos e cabe ao historiador inventar novas fontes para novos problemas.

Bibliografia:

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 203. Pg. 203-216