De Francisco Carlos Teixeira da Silva, análise por Douglas Barraqui
O que se segue, caro leitor, é uma breve resumo analítico sobre o texto, história das paisagens, de Francisco Carlos Teixeira da Silva, disponível na obra organizada por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas Domínios da História.
Embora aparente ser uma disciplina nova, com uma densidade teórica ainda frágil e poucos exemplos práticos, a história das paisagens é um campo antigo – mais antigo mesmo do que a história social ou a história demográfica.
Estudiosos alemães, franceses e ingleses – desde o início do século e, especialmente, na década de 1930 – produziram obras que delimitaram, entre a geografia humana ou histórica e a história agrária, um campo novo.
Definição do campo
Desde o final do século XVIII há, entretanto, uma sólida tendência de pensar a natureza em oposição ao homem ou a cultura. Particularmente o idealismo e o romantismo alemães, no século XIX, forçaram a uma distancia absoluta entre natur e kultur. Tal visão contaminou fortemente a história, como as demais ciências sociais, de forma a estabelecer uma periodização em que ambos os termos aparecessem como pontas opostas de um processo.
A distinção entre paisagem física e paisagem cultural, como feita na história, e que ainda prevalece na geografia, nos diz Francisco, deve ceder espaço para uma nova visão, cuja ênfase recai nos resultados da ação do homem sobre o meio ambiente. Devemos entender a natureza, nesta visão, não mais como um dado externo e imóvel, mas como produto de uma prolongada atividade humana: “... a natureza virgem não é mais do que um mito criado pela ideologia de civilizado sonhadora de um mundo diferente do seu”.
Pretende-se, assim, superar a visão tradicional das ciências humanas de considerar as “forças naturais” como um fator externo ao processo histórico: “... [é necessário] integrar a aparente dicotomia homem/natureza num quadro de referencia histórica mais vasta”. Tal processo é complexo, se inscreve na longa duração e é, em larga escala, involuntário.
Desde seus primeiros trabalhos Roger Dion, Marc Bloch ou Robert Gradmann destacam o campo, a aldeia e o bosque como os temas centrais da história das paisagens.
Entretanto trabalhos mais recentes como os de Jean-Robert Pitte e a vigorosa Histoire de La France Urbaine de G. Duby (surgida em 1983), ampliaram o campo de investigação em direção à história urbana.
A incorporação das grandes massas de adensamento humano e seu peso sobre o meio ambiente impõe-se como tema ao historiador. Trata-se de uma visão de conjunto, do enlace de múltiplas variáveis, em uma duração sempre longa. Impõe-se para tal uma abordagem holística, de conjunto, uma síntese para além das histórias particulares.
Os suportes teóricos
O tratamento das relações homem/natureza é o campo próprio da ecologia humana. Suas origens remontam o século XIX. (...) o alemão Ernst Haeckel (1834 – 1919) formular pela primeira vez, em 1869, seu campo de interesse: “a soma de todas as relações amigáveis ou antagonistas de um animal ou de uma planta com o meio inorgânico, neste incluído outros seres vivos”. Seu ponto de partida foi o trabalho de Charles Darwin, Origem das Espécies, publicado em 1859. Permanece a competição dos seres vivos, pelos recursos naturais, culminando com a vitória dos mais aptos. Na verdade, ambos – tanto Darwin quanto Haeckel – estavam sob influência direta do profundo pessimismo de Malthus. (...) Na Europa imperialista avolumava-se uma visão reducionista da natureza: uma percepção utilitária, claramente ancorada na idéia de função econômica.
A superação de tal análise, etnocêntrica e reducionista, se dá, em larga escala, pelo contato com o marxismo. (...) pensando as diferenças sociais, econômicas e culturais, diversificando, no tempo e no espaço, o tipo da organização da produção da vida material. (...) coube à antropologia marxista a recuperação dos variados sistemas de relacionamentos entre o homem e a natureza. (...) Ao mesmo tempo pode-se negar a afirmação da análise substantivista, como em Karl Polanyi, de que somente as sociedades altamente mercantilizadas seriam capazes de estratégias de otimização do uso dos recursos naturais.
À tal visão multilinear das relações homem/natureza somar-se-ia, na década de 1980, uma nova visão de (auto) regulação dos sistemas. (...) sob o influxo de Von Neumann, penaram-se os sistemas em termos de retroação – o feedback.
No caso da análise histórica das paisagens deve-se considerar que são sistemas abertos, submetidos permanentemente a fatores aleatórios – entre os quais os variados tipos de ação humana – cujos resultados não são previsíveis.
As abordagens históricas
Witold Kula afirma que a paisagem se divide “cientificamente em paisagem natural e paisagem cultural”. O critério de distinção de uma para outra residirá em ter sido, ou não, transformado pela ação humana. Por fim conclui que na prática só a paisagem cultural é objeto de estudo do historiador.
Entretanto a antropologia, advertia que, uma distinção formal entre “natureza” e “cultura” era bastante difícil de estabelecer e, talvez, prejudicial. A paisagem surgia como produto da técnica (conjunto de recursos, materiais ou não, capazes de garantir a sobrevivência do homem) e do direito (normas e exigências estabelecidas pelo grupo humano). Ora, podemos ter exemplo em que ambos os casos combinam-se plenamente os fatores técnica e direito para definir e fixar uma paisagem.
Assim, nos diz o autor, tal como aborda a antropologia, como resultado de vários fatores, todos fundamentais na organização do espaço, pode-se enumerar: (1) os dados da geografia física; (2) os dados do direito; (3) a tecnologia disponível; (4) os dados da demografia; e (5) os dados da sociologia.
1. Os dados da geografia: nessa definição a geografia não definiria o quadro de análise e, muito menos, o processo histórico. A geografia apresenta-se assim, como condição sensível inicial, mas incapaz de determinar qualquer processo linear de evolução.
2. Os dados do direito: compreendemos aqui como os dados do direito o conjunto de regras, normas e tradições que regulam a apropriação e o uso da natureza pelo homem. Parcelas, cercas, campos homogêneos e áreas comunais – tudo depende das regras admitidas ou impostas pelo/ao grupo. Não só a paisagem rural é determinada amplamente pelo direito, mas também a urbana.
3. Os dados da tecnologia: toda a atividade humana frente a natureza é regida por um elemento básico: “a atividade econômica do homem é sempre um processo de intercâmbio de energia com a natureza”, como nos diz Kula. Ora, tal processo se dá através da produção de instrumentos técnicos que garantam a subsistência humana. A aplicação destas técnicas sobre os recursos naturais promovem um incessante processo de mudanças e alterações na natureza que, longe de permanecer imóvel, evolui, com ritmos diferentes e em direções diferentes. Historicamente coube ao fogo o primeiro papel de recurso técnico capaz de ser utilizado em larga escala como poupador do trabalho.
4. Os dados da demografia: em verdade é fundamental o cruzamento dos dados de população com a tecnologia disponível pelo grupo social para se estabelecer se há, ou não, uma relação positiva com a produção necessária de bens. Marc Bloch explica, por exemplo, como no início do século XIV uma população de 21 a 22 milhões de habitantes – cálculo mínimo – fazia da frança um país populoso: “... a sensação de escassez de terras, atitudes que, atitude que, ante extensões vazias, poderia julgar-se paradoxal, encontra uma explicação nas imperiosas necessidades de uma agricultura essencialmente extensiva. Em suma em vez de nomadismo de homens, o que havia era... uma espécie de nomadismo de campos”.
5. Os dados da sociologia: as decisões que incidem largamente sobre a paisagem – como o povoamento, a incorporação de novas técnicas ou a imposição de normas – dependem da existência de um centro de poder, de hierarquia social eficaz, em suma, de capacidade de coerção. No século XIX e início do século XX a presença de um forte proletariado urbano obrigou as autoridades a tomar decisões sobre o reordenamento do espaço urbano. Assim é importante que tais critérios sejam claramente explicitados, evitando respostas imediatistas.
As fontes
As fontes mais importantes para a análise das paisagens são variadas: códigos de posturas, registros fundiários, livros ou tratados de agronomia, a arqueologia, inclusive industrial, relato de viajantes e, naturalmente, a iconografia são fontes clássicas utilizadas por Roger Dion, Robert Gradmann ou Marc Bloch. Evidentemente, velhas fontes já utilizadas devem ser relidas à luz de novos objetos e cabe ao historiador inventar novas fontes para novos problemas.
Bibliografia:
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 203. Pg. 203-216
Embora aparente ser uma disciplina nova, com uma densidade teórica ainda frágil e poucos exemplos práticos, a história das paisagens é um campo antigo – mais antigo mesmo do que a história social ou a história demográfica.
Estudiosos alemães, franceses e ingleses – desde o início do século e, especialmente, na década de 1930 – produziram obras que delimitaram, entre a geografia humana ou histórica e a história agrária, um campo novo.
Definição do campo
Desde o final do século XVIII há, entretanto, uma sólida tendência de pensar a natureza em oposição ao homem ou a cultura. Particularmente o idealismo e o romantismo alemães, no século XIX, forçaram a uma distancia absoluta entre natur e kultur. Tal visão contaminou fortemente a história, como as demais ciências sociais, de forma a estabelecer uma periodização em que ambos os termos aparecessem como pontas opostas de um processo.
A distinção entre paisagem física e paisagem cultural, como feita na história, e que ainda prevalece na geografia, nos diz Francisco, deve ceder espaço para uma nova visão, cuja ênfase recai nos resultados da ação do homem sobre o meio ambiente. Devemos entender a natureza, nesta visão, não mais como um dado externo e imóvel, mas como produto de uma prolongada atividade humana: “... a natureza virgem não é mais do que um mito criado pela ideologia de civilizado sonhadora de um mundo diferente do seu”.
Pretende-se, assim, superar a visão tradicional das ciências humanas de considerar as “forças naturais” como um fator externo ao processo histórico: “... [é necessário] integrar a aparente dicotomia homem/natureza num quadro de referencia histórica mais vasta”. Tal processo é complexo, se inscreve na longa duração e é, em larga escala, involuntário.
Desde seus primeiros trabalhos Roger Dion, Marc Bloch ou Robert Gradmann destacam o campo, a aldeia e o bosque como os temas centrais da história das paisagens.
Entretanto trabalhos mais recentes como os de Jean-Robert Pitte e a vigorosa Histoire de La France Urbaine de G. Duby (surgida em 1983), ampliaram o campo de investigação em direção à história urbana.
A incorporação das grandes massas de adensamento humano e seu peso sobre o meio ambiente impõe-se como tema ao historiador. Trata-se de uma visão de conjunto, do enlace de múltiplas variáveis, em uma duração sempre longa. Impõe-se para tal uma abordagem holística, de conjunto, uma síntese para além das histórias particulares.
Os suportes teóricos
O tratamento das relações homem/natureza é o campo próprio da ecologia humana. Suas origens remontam o século XIX. (...) o alemão Ernst Haeckel (1834 – 1919) formular pela primeira vez, em 1869, seu campo de interesse: “a soma de todas as relações amigáveis ou antagonistas de um animal ou de uma planta com o meio inorgânico, neste incluído outros seres vivos”. Seu ponto de partida foi o trabalho de Charles Darwin, Origem das Espécies, publicado em 1859. Permanece a competição dos seres vivos, pelos recursos naturais, culminando com a vitória dos mais aptos. Na verdade, ambos – tanto Darwin quanto Haeckel – estavam sob influência direta do profundo pessimismo de Malthus. (...) Na Europa imperialista avolumava-se uma visão reducionista da natureza: uma percepção utilitária, claramente ancorada na idéia de função econômica.
A superação de tal análise, etnocêntrica e reducionista, se dá, em larga escala, pelo contato com o marxismo. (...) pensando as diferenças sociais, econômicas e culturais, diversificando, no tempo e no espaço, o tipo da organização da produção da vida material. (...) coube à antropologia marxista a recuperação dos variados sistemas de relacionamentos entre o homem e a natureza. (...) Ao mesmo tempo pode-se negar a afirmação da análise substantivista, como em Karl Polanyi, de que somente as sociedades altamente mercantilizadas seriam capazes de estratégias de otimização do uso dos recursos naturais.
À tal visão multilinear das relações homem/natureza somar-se-ia, na década de 1980, uma nova visão de (auto) regulação dos sistemas. (...) sob o influxo de Von Neumann, penaram-se os sistemas em termos de retroação – o feedback.
No caso da análise histórica das paisagens deve-se considerar que são sistemas abertos, submetidos permanentemente a fatores aleatórios – entre os quais os variados tipos de ação humana – cujos resultados não são previsíveis.
As abordagens históricas
Witold Kula afirma que a paisagem se divide “cientificamente em paisagem natural e paisagem cultural”. O critério de distinção de uma para outra residirá em ter sido, ou não, transformado pela ação humana. Por fim conclui que na prática só a paisagem cultural é objeto de estudo do historiador.
Entretanto a antropologia, advertia que, uma distinção formal entre “natureza” e “cultura” era bastante difícil de estabelecer e, talvez, prejudicial. A paisagem surgia como produto da técnica (conjunto de recursos, materiais ou não, capazes de garantir a sobrevivência do homem) e do direito (normas e exigências estabelecidas pelo grupo humano). Ora, podemos ter exemplo em que ambos os casos combinam-se plenamente os fatores técnica e direito para definir e fixar uma paisagem.
Assim, nos diz o autor, tal como aborda a antropologia, como resultado de vários fatores, todos fundamentais na organização do espaço, pode-se enumerar: (1) os dados da geografia física; (2) os dados do direito; (3) a tecnologia disponível; (4) os dados da demografia; e (5) os dados da sociologia.
1. Os dados da geografia: nessa definição a geografia não definiria o quadro de análise e, muito menos, o processo histórico. A geografia apresenta-se assim, como condição sensível inicial, mas incapaz de determinar qualquer processo linear de evolução.
2. Os dados do direito: compreendemos aqui como os dados do direito o conjunto de regras, normas e tradições que regulam a apropriação e o uso da natureza pelo homem. Parcelas, cercas, campos homogêneos e áreas comunais – tudo depende das regras admitidas ou impostas pelo/ao grupo. Não só a paisagem rural é determinada amplamente pelo direito, mas também a urbana.
3. Os dados da tecnologia: toda a atividade humana frente a natureza é regida por um elemento básico: “a atividade econômica do homem é sempre um processo de intercâmbio de energia com a natureza”, como nos diz Kula. Ora, tal processo se dá através da produção de instrumentos técnicos que garantam a subsistência humana. A aplicação destas técnicas sobre os recursos naturais promovem um incessante processo de mudanças e alterações na natureza que, longe de permanecer imóvel, evolui, com ritmos diferentes e em direções diferentes. Historicamente coube ao fogo o primeiro papel de recurso técnico capaz de ser utilizado em larga escala como poupador do trabalho.
4. Os dados da demografia: em verdade é fundamental o cruzamento dos dados de população com a tecnologia disponível pelo grupo social para se estabelecer se há, ou não, uma relação positiva com a produção necessária de bens. Marc Bloch explica, por exemplo, como no início do século XIV uma população de 21 a 22 milhões de habitantes – cálculo mínimo – fazia da frança um país populoso: “... a sensação de escassez de terras, atitudes que, atitude que, ante extensões vazias, poderia julgar-se paradoxal, encontra uma explicação nas imperiosas necessidades de uma agricultura essencialmente extensiva. Em suma em vez de nomadismo de homens, o que havia era... uma espécie de nomadismo de campos”.
5. Os dados da sociologia: as decisões que incidem largamente sobre a paisagem – como o povoamento, a incorporação de novas técnicas ou a imposição de normas – dependem da existência de um centro de poder, de hierarquia social eficaz, em suma, de capacidade de coerção. No século XIX e início do século XX a presença de um forte proletariado urbano obrigou as autoridades a tomar decisões sobre o reordenamento do espaço urbano. Assim é importante que tais critérios sejam claramente explicitados, evitando respostas imediatistas.
As fontes
As fontes mais importantes para a análise das paisagens são variadas: códigos de posturas, registros fundiários, livros ou tratados de agronomia, a arqueologia, inclusive industrial, relato de viajantes e, naturalmente, a iconografia são fontes clássicas utilizadas por Roger Dion, Robert Gradmann ou Marc Bloch. Evidentemente, velhas fontes já utilizadas devem ser relidas à luz de novos objetos e cabe ao historiador inventar novas fontes para novos problemas.
Bibliografia:
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 203. Pg. 203-216
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