quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Amazonas: história e mito se confundem

Por Douglas Barraqui

“Eram 10 ou 12 mulheres guerreiras que vieram ajudar os nativos na sua peleja. A estas, nós as vimos: andavam combatendo diante de todos os índios como capitães e lutavam tão corajosamente que os índios não ousavam lhes mostrar as costas. São muito alvas e altas, com cabelo muito comprido, entrançado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas a pelo, tapadas em suas vergonhas; com os seus arcos e flechas na mão fazem tanta guerra como dez índios”.

O relato acima é de autoria do frei dominicano Gaspar de Carvajal, cronista da malfadada expedição de Francisco de Orellana; naquela que havia de ser a primeira expedição a percorrer integralmente o curso do rio Amazonas, desde os Andes ao oceano Atlântico e, que também, batizou o rio com esse nome. O trecho acima descreve as “mitológicas” amazonas que legaram seu nome ao maior e mais volumoso rio e a maior floresta equatorial do mundo.

Na mitologia grega amazonas eram as integrantes de uma antiga nação de habilidosas guerreiras que, segundo Heródoto, no Livro IV, habitavam a fronteira da Cítia, na Sarmácia. Segundo a mitologia entre as rainhas célebres das amazonas estão Pentesileia, que teria participado da Guerra de Troia, e sua irmã, Hipólita, cujo cinturão foi o objeto de um dos doze trabalhos de Hércules. Saqueadoras, as amazonas eram frequentemente ilustradas em batalhas contra guerreiros gregos. Tão boas arqueiras, quanto na arte de montar cavalos, retiravam um dos seios para facilitar o manejo do arco e flecha. Buscando a etimologia da palavra amazona, "a" é um prefixo negativo; "mazos" = peito, mama; logo Amazona significaria "sem peito". Mito ou história? Estudos recentes apontam que as amazonas, que habitavam a Cítia, eram iranianas conhecidas por montar a cavalos. Os jônicos, sempre ameaçados pelos persas - os mais importantes dentre os iranianos -, foram os primeiros a entrar em contato com as bravas guerreiras. Amazōn é a forma jônica para a palavra ha-mazan de origem iraniana, cujo significado é “lutando junto”.  

Mas como o mito das amazonas foi parar na América? Em fevereiro de 1541, Francisco de Orellana - que em 1535 participou, juntamente com Francisco Pizarro, da conquista do Peru - liderava uma expedição com 21 homens e mais o frei Gaspar de Carvajal pelo rio Napo. A expedição fora se juntar ao imenso grupo liderado por Gonzalo Pizarro que havia partido da capital do império Inca em busca da mítica cidade de El Dorado e o “reino da canela” – uma especiaria tropical muito bem quista no século XVI, boa para o pulmão, antisséptica e digestiva.

Francisco de Orellana
Em dezembro de 1541 Orellana e Pizarro enfim venceram as terras áridas e geladas dos Andes. Famintos e doentes aqueles homens agora enfrentariam a floresta mais perigosa do mundo, nunca antes penetrada por um europeu. Pizarro teria jogado aos cães metade dos já debilitados índios sobreviventes e queimado vivo o restante. Após construir um barco Orellana, com 57 homens, começou a descer o rio que viria a ser chamado de Coca, que deságua no Napo, que é afluente do Ucayali, que no Brasil é chamado de rio Solimões. O Solimões, por sua vez, é um dos formadores do grandioso rio que viria ser batizado de “rio das Amazonas”, rio no qual a embarcação de Orellana, juntamente com Carvajal, adentrou no dia 11 de fevereiro de 1542.

Na descida da imensidão das águas a idéia era saquear as aldeias para conseguir mantimentos e recursos. Sem encontrá-las, famintos, os homens comeram o couro dos cintos e das botas fervidos em água e ervas. Em julho daquele ano, na confluência do rio que hoje é chamado de Madeira, como narrou Carvajal, a expedição se deparou com 12 bravas amazonas. No conflito alguns homens perderam a sua vida e sete das bravas mulheres perderam as suas.

Aquelas, na verdade, eram as, já conhecidas pelos nativos, cunhapuiara, que quer dizer “grandes senhoras”. Antes, ainda em Quito, de onde partiu a expedição, diz Carvajal: "nos haviam contado a respeito das guerreiras, a quem os índios chamavam de coniupuiara”.

De fato o relato mais detalhado das tais “grandes senhoras” é do Frei Gaspar de Carvajal que mesmo sem uma das vistas, perdida para uma flechada, sobre as guerreiras que partiram para lutar junto a índios que se encontravam na foz do rio Jacundá, escreveu:  "Quero que saibam qual o motivo de se defenderem os índios de tal maneira: são súditos e tributários das Amazonas, e conhecidos a nossa vinda, foram pedir-lhes socorro e vieram 10 ou 12 delas. Aí perguntou o Capitão Orellana: Que mulheres eram aquelas que tinham vindo ajudá-los a fazer-nos guerra. Disse o índio que eram umas mulheres que residiam no interior, a umas sete léguas de Jornada da costa, e por seu senhor Couynco, seu súdito, tinham vindo guardar a costa. Perguntou o Capitão se estas mulheres eram casadas, e o índio disse que não. Perguntou o Capitão de que modo vivem. Respondeu o índio que vivia no interior, e que ele tinha lá estado muitas vezes e visto o seu trato e residências, pois como seu vassalo, ia levar o tributo, quando o senhor o mandava. Perguntou o Capitão se estas mulheres eram muitas. Disse o índio que sim, e que ele sabia, pelo nome, setenta aldeias, e os contou diante dos que ai estava, e que em algumas havia estado. Perguntou o Capitão se estas aldeias eram de palha. Disse o índio que não, mas de pedra e com portas, e que de uma aldeia a outra iam caminhos cercados de um e outro lado e de distância em distância, com guardas, para que não possa entrar ninguém sem pagar direitos. Perguntou-lhe o Capitão se estas mulheres pariam. Disse o índio que sim. Perguntou o Capitão como, não sendo casadas, nem residindo homens com elas emprenhavam. Ele disse que estas índias coabitavam com índios de tempos em tempos, e quando lhes vem aquele desejo, juntam grande porção de gente de guerra e vão fazer guerra a um grande senhor que reside e tem a sua terra junto a destas mulheres, e a força, a os trazem as suas terras e os tem consigo o tempo que lhes agrada, e depois quando vem o tempo de parir, se tem filho o matam e o mandam ao pai; se é filha, a criam com grandes solenidades e a educam nas coisas de guerra. Disse mais, que entre todas estas mulheres há uma senhora que domina e tem todas as demais debaixo de sua mão e jurisdição, a qual senhora se chama Conhori.”

Carvajal nunca afirmou que as tais guerreiras eram extirpadas dos seios. Mesmo assim ele as chamou pelo mesmo nome que Homero utilizou, no século VIII a. C., para se referir as mulheres guerreiras da antiga Cítia, amazonas. De fato, entre os índios da América, não era raro às vezes em que as mulheres iam à guerra com os homens e, porque não, sem eles, para defender sua tribo.

Carvajal ajudou, é certo, a recriar a lenda das amazonas em uma versão para a América. O belicoso combate, quando contado ao rei Carlos V da Espanha, este ficou de certo modo tão impressionado que, inspirado nas antigas guerreiras da Cítia, as amazonas, assim deu o nome ao rio. O que, também foi feito com a maior floresta equatorial do mundo que o cerca.

Referências:

BERGMANN, F. G. Les Amazones dans l'histoire et dans la fable. Colmar, 1853.

MOTT, Luiz. As Amazonas: um mito e algumas hipóteses. Revista de História. Universidade Federal de Ouro Preto. Volume1 NPI 1990.

KLEISSMANN, M. Les Amazones dans l'Artet la Litterauire Auiques. Paris, 1875.


LACOUR, P. Les Amazones. Paris, 1901. 3.