Por José Eustáquio Diniz Alves
Muita gente acha estranho quando se diz que a humanidade já está consumindo 1,5 planeta (um planeta e meio), sendo que, segundo a metodologia da pegada ecológica, o mundo deverá atingir -dependendo da continuidade do ritmo de loucuras do modelo atual – o consumo equivalente a 2 planetas entre 2030 e 2050.
Mas como é possível consumir mais de um globo terrestre? A resposta é simples: não existe apenas um planeta Terra, mas sim dois, um planeta vivo e um planeta morto. O planeta vivo está na superfície e o planeta morto está no subsolo.
O planeta morto é composto por material orgânico decomposto e que foi fossilizado em decorrência dos efeitos da pressão e da temperatura elevadas atuando durante milhões de anos junto ao processo de soterramento. A matéria orgânica é constituída por substâncias contendo carbono na sua estrutura molecular. A queima deste carbono transforma este material em combustíveis fósseis. O carvão mineral, o petróleo e o gás natural são os combustíveis fósseis mais utilizados, servindo para colocar em movimento as locomotivas, trens, carros, caminhões, navios, além de gerar eletricidade para toda a cadeia produtiva da economia (inclusive hospitais e escolas) e para o consumo particular das famílias.
Os combustíveis fósseis, além de serem finitos, provocam grande poluição (como a liberação de mercúrio que polui as águas) e são um dos principais responsáveis pelo efeito estufa que aquece a atmosfera da Terra e provoca mudanças climáticas. A utilização dos combustíveis fósseis possibilitou que a população humana e a economia apresentassem um crescimento sem precedêntes nos últimos 200 anos. A humanidade se espalhou por todo o planeta, destruindo biomas e comprometendo a qualidade das águas, ao mesmo tempo que vai reduzindo a capacidade de regeneração da Terra. Num processo de crescimento permanente da pegada ecológica, o ser humano ultrapassou as fronteiras planetárias.
Porém, cabe a pergunta: é possível consumir mais de um planeta? Sim, no curto e médio prazo, da mesma forma como é possível uma pessoa gastar mais do que recebe. Tudo depende das condições herdadas. Suponha que uma pessoa herdou uma empresa LTDA que tenha um capital de R$ 10 milhões de reais e forneça uma receita líquida mensal de R$ 20 mil para o herdeiro proprietário. Mas suponha que este felizardo proprietário resolva gastar em média R $ 30 mil por mês. Provavelmente este esbanjador conseguirá viver nesta situação por 20 ou 30 anos. Todavia, irá certamente à falência depois de destruir o patrimônio herdado. Isto acontece com frequência e está explícito naquele velho provérbio: “Pai rico, filho nobre, neto pobre”.
Jorginho Guinle é um “bom” exemplo (a ser evitado) de pessoa que passou toda a vida torrando os recursos herdados e prisioneiro de um consumismo fútil e exibicionista. Segundo a Wikipedia: “Jorge Guinle (1916-2004) foi um socialite, playboy e herdeiro milionário brasileiro. Viveu a época áurea do Rio de Janeiro entre a década de 1930 e 50, onde conheceu e acredita-se que tenha tido relações amorosas com diversas atrizes de Hollywood. Residiu no hotel Copacabana Palace (fundado por seu tio, Octávio Guinle) até a sua morte, gabando-se de nunca ter trabalhado na vida. Jorge se orgulhava de ter gasto a fortuna de quase cem milhões de reais que lhe foi deixada de herança”.
De certa forma, a humanidade está seguindo o princípio de Jorginho Guinle de viver dos recursos da herança (“trabalho morto” apropriado e acumulado, como ocorrido com os antigos Guinles) e gastar mais do que a mãe Terra oferece. A humanidade está vivendo da riqueza deixada e acumulada durante milhões de anos em forma de combustível fóssil. A economia e a renda per capita mundial cresce na medida em que essa herança é, literalmente, queimada.
Ou seja, a humanidade está consumindo e torrando o planeta morto e transformando a matéria orgânica fóssil em CO2 que fica acumulado na atmosfera (provocando o aquecimento global). Concomitantemente, o ser humano está também destruindo ou danificando seriamente as matas, os rios, os lagos e os oceanos. Ou seja, a humanidade está montando uma máquina de consumo que está queimando o planeta morto e destruindo o planeta vivo.
A falta de compromissos sérios por parte dos governos e das Conferências da ONU indica que este processo deve continuar até 2050.
Provavelmente, em meados do século XXI, os cerca de 9 billhões de habitantes do mundo estarão em situação semelhante àquela da senilidade de Jorginho Guinle (ou como o decadente idoso personagem central do romance Leite Derramado de Chico Buarque). Isto é, a humanidade vai estar com um passivo contábil muito grande, mas sem a contrapartida do ativo natural para sustentar o padrão de vida.
A continuidade deste processo vai tornar quase impossível a sobrevivência de todos os seres vivos depois que a humanidade queimar os restos do planeta morto e destruir o planeta vivo.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal.
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