Por Ciro Fernando Assis Siqueira
O Código Florestal (doravante apenas CF) vigente foi assinado em 1965 pelo Gal. Castelo Branco durante a ditadura militar, entretanto, o CF de 1965 é uma reformulação de um Código Florestal que já existia desde 1935, do governo de Vargas. O Código Florestal de Vargas não foi, como se pode pensar, um código de leis ambientais. Pode-se acusar Vargas de muitas coisas, mas é necessário torcer a história para classificá-lo como um homem preocupado com o meio ambiente. O Código Florestal de Vargas era parte de uma estratégia de estatização dos recursos naturais perfeitamente compreensível no contexto político e econômico da primeira metade dos anos 30. Dessa estratégia também fizeram parte a própria constituição de 1934, o Código de Águas e o Código de Minas ambos de 1935.
O primeiro CF, o de 1935, foi pensado partindo-se da premissa de que o Estado à época - estamos falando dos anos 1920 e 1930 quando vivíamos o “boom” da economia cafeeira - não tinha condições de controlar a passagem de terras do domínio público para o domínio privado. Daí a necessidade de regular (preservar) as florestas dentro das áreas privadas uma vez que o Estado nem sequer sabia quais eram e onde estavam suas próprias áreas. Mas o CF de 1934 previa, sob certas circunstâncias, uma indenização paga pelo Estado àqueles proprietários que, de acordo com o CF, ficariam impossibilitados de "usar" alguma parte de suas áreas. Ou seja, o CF de 1934 manteve o ônus da preservação florestal nas mãos do Estado.
O CF de 1934 nunca saiu do papel. Algumas pessoas preocupadas com isso iniciaram um esforço para reformulá-lo ainda durante o Estado Novo de Vargas. Essas discussões caminharam infrutiferamente durante os anos 1930, 1940 e 1950. Jânio Quadros, presidente eleito democraticamente, instituiu um grupo de trabalho encarregado de reformular o Código. Esse grupo foi presidido pelo jurista Osny Duarte Pereira, comunista convicto. Lembremos mais uma vez que estamos falando do pós-guerra, quando a guerra fria estava no auge, o comunismo aparecia como uma opção política considerável. Osny foi cotado para compor o gabinete parlamentar do Jango. Sem preconceitos esquerdistas ou direitistas, a ideologia comunista de Osny permeou os debates da reformulação do Código Florestal donde se pode inferir que não houve problema nenhum por parte dele em transferir o ônus da preservação ambiental do Estado para os "latifundiários capitalistas" através da lei ambiental que fora encarregado de reformular.
Por alguma razão que eu mesmo não compreendo (essa é uma das lacunas na minha pesquisa) a ditadura militar endossou o trabalho do grupo de reformulação do CF. A lei batia de frente com os interesses desenvolvimentistas e integracionistas dos militares, sobretudo em relação à Amazônia. A mim parece que o Castelo Branco ratificou o CF de 1965 aprovado no Congresso como um tipo de "cala-boca". Como se a ditadura quisesse dar ao legislativo a impressão de utilidade institucional aprovando uma lei que a própria ditadura não tinha a menor intenção de fazer cumprir. Lembremos novamente que o Congresso Nacional só foi fechado definitivamente em 1968 com o AI-5, também assinado por Castelo Branco. Em 1965 o congresso ainda funcionava de forma precária (não sei, isso é só conjectura). O fato é que o CF de 1965 transferiu o ônus da preservação ambiental do Estado para o poder privado. Esse é o ponto chave para se discutir o CF: o ônus da conservação de florestas. A quem cabe esse ônus? A discussão sobre percentagens é árida.
”Ninguém” obedece ao Código Florestal. Como “ninguém” obedece, os efeitos econômicos da lei não aparecem. Se todos obedecessem a lei nós não teríamos agricultura na Amazônia e a agricultura fora da Amazônia seria muito menos competitiva no cenário internacional (onde a agricultura recebe subsídios e não ônus). Essa queda de competitividade da agricultura resultaria em perdas sociais enormes em termos de perda de emprego, renda, divisas de exportação, efeitos negativos no PIB, efeitos negativos a montante e a jusante na cadeia do agronegócio, etc. Ninguém vê isso, porque a ineficácia da lei camufla o seu custo social. Como ninguém obedece a lei seus benefícios não aparecem e não aparecem, também, os seus custos sociais. Na medida em que o Estado encontrar formas de impor a lei ao setor privado esses custos começarão a aparecer e começarão a ser sentidos, num primeiro momento pelos "latifundiários capitalistas", mas num segundo momento toda a sociedade sofrerá os efeitos desse.
Reparem que o que motivou o CF de 1934 foi à incapacidade do Estado de gerir suas áreas públicas. Naquela época, salvo engano, não existia nem uma única unidade de conservação no Brasil. Hoje temos a lei do SNUC, a Lei da Mata Atlântica, a Lei de Gestão de Florestas Públicas, a Lei do Georreferenciamento de Imóveis Rurais. O INCRA não titula áreas maiores do que 100 ha. A capacidade do Estado de gerir as terras públicas hoje é absolutamente diferente da que foi nos anos 1930. Gerir florestas por regulação do uso das áreas dentro das propriedades privadas é totalmente obsoleto. Não faz mais sentido algum. Além de anacrônico é ineficaz, não funciona. Quanto da Mata Atlântica perdemos de 1934 até hoje? Quanto do Cerrado perdemos? Quanto da Amazônia perdemos enquanto já havia um Código Florestal? Como pode uma lei que nunca protegeu nada ser uma boa lei? Quanto ainda há de perderemos até que se tenha a sensatez de refletir sobre velhas certezas absolutas, sobre velhas convicções?
Ciro Fernando Assis Siqueira é Engenheiro Agrônomo Geomensor, pós graduado em Gestão Econômica do Meio Ambiente (Mestrado) e Geoprocessamento.
Fonte: Código Florestal Brasileiro
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