Por Sérgio Leitão
Três décadas e meia separam os anos de 1972 e 2007. Mas, no que diz respeito ao Brasil, elas estranhamente se aproximam. Em 1972 se realizou a I Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, Suécia. A questão ambiental estava longe de merecer o destaque dos tempos atuais. O Brasil do regime militar se fez presente ao evento para afirmar o direito de alcançarmos o mesmo padrão econômico dos países desenvolvidos, mesmo que à custa da destruição da natureza.
Agora, em 2007, estamos no meio da Conferência da ONU em Bali para debater as mudanças climáticas. O Brasil cobra dos países desenvolvidos, conhecidos por serem os maiores poluidores, que façam primeiro a sua parte para resolver o problema, dizendo que o país só poderá fazer a sua quando tiver superado as "assimetrias" que deles nos separam.
Ora, estamos dizendo o mesmo que dizíamos em 1972, apenas de uma forma mais suave, usando a linguagem sutil dos nossos representantes diplomáticos. Isso não elimina o gosto amargo de que estamos fazendo uma ponte com o passado que julgávamos enterrado. É importante lembrar que, entre 1972 e 2007, elaboramos uma nova Constituição, inserimos o meio ambiente como tema central na agenda nacional e sediamos a Eco-92, nas quais foram assinadas as Convenções do Clima e da Biodiversidade.
Como justificativa desse discurso retrô, falam da necessidade de não se travar o crescimento econômico do país, a geração de riqueza e o fim da pobreza. Ou seja, voltamos a falar, como nos anos 70, que só dá para melhorar a vida dos brasileiros se fizermos o bolo crescer (metáfora usada pelo Ministro da Fazenda Delfim Netto no governo do Presidente Médici).
Dessa forma, de novo, o meio ambiente irá pagar a conta. Se já consumimos uma Mata Atlântica inteira e metade do Cerrado, agora será a vez da Amazônia ser triturada no liquidificador do desenvolvimento nacional.
Não deixa de ser estranho que não falemos das assimetrias que separam, por exemplo, os estados de São Paulo e Ceará, os bairros paulistanos do Jardim Ângela e Jardim América, que precisam e podem ser superadas não apenas com a aceleração do crescimento, mas fundamentalmente, com a aceleração da distribuição da riqueza já existente e da que está por ser criada.
Se temos tido algum progresso, está longe de nos tirar do incômodo posto de 10º pior país do mundo em desigualdade de renda, dentre os 177 pesquisados pela ONU em seu Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), de 2007, intitulado "Combate à mudança do clima: solidariedade humana em um mundo dividido", lançado em fins de novembro, em Brasília.
Pela primeira vez conseguimos ficar entre os 70 países de maior Índice de Desenvolvimento Humano no mundo (somos o 70º), graças ao aumento da renda per capita do brasileiro de US$ 8.325 para US$ 8.402 e da taxa de expectativa de vida que cresceu de 70,8 para 71,7 anos. Porém, as nossas taxas de distribuição de renda e de mortalidade infantil continuam africanas. "Os brasileiros mais ricos têm renda até 21,8 vezes maior que os mais pobres... O índice de mortalidade infantil é de 99 por mil nascimentos entre os 20% mais pobres do Brasil", declarou Flávio Comim, assessor especial do Pnud no Brasil (Correio Braziliense, 28/11/07, página 18/Mundo).
Isso sem falar no flagelo da violência que assola as grandes cidades, no desastre da educação que nos faz passar vergonha em avaliações internacionais que medem a qualidade dos nossos estudantes, na volta do trabalho escravo e na manutenção do estado de beligerância no meio rural em razão dos conflitos fundiários.
Aliás, para quem acha que destruição ambiental rima com crescimento econômico, é bom saber que ela rima melhor com violência. O Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, divulgado em 2006, mostra que "entre as dez cidades mais violentas do país, quatro estão no arco do desmatamento da Amazônia", onde não existe a presença do governo e a força das frentes avançadas do capitalismo predatório podem se movimentar livremente. (ver Almanaque Brasil Socioambiental, Instituto Socioambiental, 2008, página 388).
Além disso, os benefícios advindos com o desmatamento da Amazônia são meteóricos, posto que os ganhos iniciais de renda e emprego não se sustentam e não se refletem na melhoria da qualidade de vida da população amazônica, naquilo que o pesquisador Adalberto Veríssimo, do Imazon, chama de falso desenvolvimento econômico - o "boom-colapso".
Desse modo, é significativo que o Relatório da ONU volte suas atenções para o tema das mudanças climáticas, pois se todos sofrerão com o seu advento, é certo que os mais pobres sofrerão mais.
Portanto, o Brasil tem o seu dever de casa para fazer, que é o de preparar o país para enfrentar o principal desafio político e econômico do mundo no século 21. Precisamos elaborar a nossa Política Nacional de Mudanças Climáticas para apontar as diretrizes que nortearão os rumos do país e para superar a velha dicotomia que insiste em opor crescimento econômico versus meio ambiente.
A urgência das mudanças climáticas pede outra atitude. É disso que o país e os brasileiros precisam.
Sérgio Leitão, diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, sobre a necessidade de revermos a política brasileira de desenvolvimento para não repetir os erros do passado.
Fonte: Greenpeace
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