terça-feira, 9 de novembro de 2010

A interação meio ambiente / congo da Barra do Jucu

O CONGO NA BARRA DO JUCU
Por Homero Bonadiman Galvêas  

O congo, que ganhou notoriedade, até internacional, é uma manifestação que tem, segundo Geraldo Pignaton e Kleber Galvêas, como fundamento a capacidade de ser muito espontânea, narrar as tradições, os costumes do cotidiano local do seu povo, as coisas que acontecem no dia a dia da comunidade, servindo como verdadeiro jornal do lugar; falando das pescarias, fatos curiosos, caçadas, sobre aventuras, amores, desilusões, reclamações locais, entre outras questões. A capacidade de improvisação de versos que estes homens possuem é grande, “eles ficavam o dia todo no mar pescando, na mata caçando ou fazendo lenha e no rio navegando e pensando nos acontecimentos locais e preparando novos versos para a próxima congada.”

Mas com a mudança forçada de boa parte das atividades econômicas, o contato pessoal com a comunidade foi sendo perdido, pois saiam daqui às 6 horas da manhã e voltavam às 7 da noite, cansados. Assim indo varrer ruas e em grupos separados, o congo foi perdendo aos poucos esse lado interessante, do jornal, do improviso, do repente, parecido com o nordestino, uma marca registrada. Mas ainda mantém alguma coisa, mas longe do que era antes.

O congo, por muito tempo foi visto com maus olhos por certa parcela da comunidade barrense mais abastada. Poucas pessoas acompanhavam o congo, fora os que gostavam de tocar. Estes sofriam com muito preconceito da nossa sociedade ainda muito tradicional e conservadora, confundiam o congo com macumba, recriminavam por causa da bebida, que era coisa do diabo, além das discriminações econômicas. Alguns da elite local diziam que aquilo era brincadeira de preto. Os negros não eram bem vindos a esta comunidade, eram postos para correr daqui, segundo “Seu Daniel”. Pode-se notar que até hoje é difícil ver um negro morando nessa região, no congo quase não tinha, hoje as coisa mudaram muito, a integração é bem maior nesse sentido.

As igrejas evangélicas também começaram a influenciar os conguista dizendo que era macumba, coisa do diabo, sem tentar fazer uma análise mais profunda da manifestação e conseguiram tirar vários elementos do congo e perturbar a cabeça de outros.

Meninos e rapazes aqui da Barra até a mando dessas pessoas que não gostavam, aprontavam de várias maneiras com o congo, jogando pedras dentro dos tambores, bombas e urina nos conguistas, empurrando os velhinhos, jogando água de chuva. Segundo Kleber e Geraldo, para tocar, depois das 10 horas da noite só subornando o delegado local. Para tocar na festa de São Benedito e não precisar subornar o delegado, tinha que se pagar uma taxa na coletoria estadual em Vila Velha.

Poucas pessoas chamavam a banda para tocar. Sebastião Maria, o juiz de paz do lugar era um dos poucos, tirando um ou outro aniversário e a festa de São Benedito, não se tocava mais em lugar nenhum, nem em bares, nem restaurantes.

A igreja, católica também com administradores muito conservadores, não deixava os conguistas entrarem na igreja, nem abriam a porta da igreja centenária e uma vez chegaram a tirar o mastro do buraco e a reter a bandeira. Outra vez um morador roubou a bandeira de São Benedito e vendeu para pessoas de Brasília. Mas segundo a lenda Mestre Honório pediu tanto a São Benedito que a bandeira pintada de um lado por Haid Liebermann e do outro por Kleber Galvêas reapareceu aqui na Barra, e foi entregue nas mãos do mestre.

Para reverter este estado de coisa Kleber se utilizou de um meio, que é por excelência, reprodutor dessa sociedade de consumo capitalista, a mídia. Como no caso do tombamento de Jacaranema, chamou a imprensa escrita e falada e os instruiu para fazerem uma série de entrevistas esclarecendo o que era o congo e massificou essa informação através de jornais e televisão. Conseguiu assim, através de entrevistas cedidas pelo Mestre Honório e o Presidente Alcides, diferenciar o congo da Macumba e sensibilizar boa parte da população para o real significado do congo. Contou para isso também com a grande ajuda dos amigos, Paulo de Paula, Júlio Fabris, Antônio Americano, Jairo de Brito e Darly Santos. Geraldo.

A história do congo na Barra do Jucu se divide em 3 momentos:

O primeiro acontece com a vinda de Manoel Nunes de Palmeiras, do Morro dos Monos, no interior de Guarapari, para a Barra do Jucu com alguns tambores no início dos anos 50. Ele era pai de Pedrinho e tio de Paulo Nunes. Depois da sua morte, Maria Luiza Valadares, tomou conta do congo por alguns anos, mas se casou com um homem que não gostava do congo e ela parou com a banda em meados dos anos 70.

O segundo momento se dá com a mudança de “Seu Alcides” para a Barra do Jucu, já comentada. Ele vem com 2 tambores em 1968 e se une a “Seu Justino”, também ex-morador de Jaguarussu. Com o apoio da Prefeitura, ele pega os tambores que estavam estragando na casa de Maria Luisa e forma uma banda de congo, com: “Seu Honório”, Ozório, Avigêncio, Hidelbrando, Zé Silva, Daniel, Antônio Biju, João Amaral, Sebastião Maria, Júlio Valadares, “Seu Delcy”, Haroldo, Giovani, Honofre, João Bagaceira, João Bina, entre outros. Seu Alcides foi um homem de suma importância, foi um dos pioneiros e mantenedores do congo na Barra do Jucu, dos anos 60 aos 90.

Chegaram no início dos anos 70 Kleber Galvêas e Dr. Geraldo Pignaton, fazendo parte da banda. No início dos anos 80 “Seu Alcides” resolve, vender a banda. Passava por grandes necessidades financeiras e havia se ligado a uma igreja evangélica que se instalou ao lado de sua casa. Então, Geraldo, que tinha melhor condição financeira, comprou a banda de congo, pois senão ela poderia ser vendida separadamente para pessoas de fora como suvenir. O congo iria acabar na Barra. Geraldo, comprou sabendo dos preconceitos que o congo sofria na Barra e não tendo lugar para guardar os tambores, passou a chamar o pessoal, inclusive “Seu Alcides”, para tocar na Fazenda Camping, que era de seu pai. Promete que o Congo ainda voltaria para a Barra e “por cima”.

O congo começa a viajar pelo Brasil, a ser notícia em rede nacional, a ir para o Rio de Janeiro, a tocar no Teatro Municipal do Rio. Foi a única manifestação folclórica nacional a se apresentar lá em 185 anos de história do teatro. Apresentou-se também no Circo Voador, Universidades e como ápice de tudo isso, vem a gravação da música Madalena por Martinho da Vila, que alcança destaque internacional. Isso tudo durante o período em que a banda esteve sob a coordenação de Geraldo Pignaton. Nessa época, além de alguns dos conguistas citados anteriormente, no início da década de 80 entrou uma nova geração, composta por: Buchecha, Chumbinho, Jadir (filhos de Paulo Nunes), Rose e Zé Luiz, que substituíram os velhos dando sangue novo à banda.

Apesar das confusões daí geradas e bem explicadas nas entrevistas, após e durante essa divulgação massiva, o povo da Barra começou a reclamar a volta do congo, e isso aos poucos foi acontecendo. Os que ainda eram contra tiveram que suportar a Banda, que realmente voltou por cima, em alto nível, como havia prometido Geraldo. Ser congueiro agora dava status, isso aconteceu nos finais dos anos 80 e início dos 90.

O pessoal da igreja, notando o esvaziamento, chamou um padre ligado a Teologia da Libertação, ele compreendeu que quem ia no congo eram as mesmas pessoas que iam à igreja. Então passou a deixar o congo tocar dentro da igreja. Esse processo de valorização do folclore parece ter se espalhado pelo Brasil todo. Ficou definitivamente para trás os dias em que o congo para se apresentar na Barra tinha que tirar licença na delegacia e pagar a taxa na coletoria estadual.

Então a banda atingiu um grau de importância que nunca havia conseguido antes, influenciando o surgimento de outras bandas, em outros lugares e o fortalecimento dessa manifestação cultural em todo nosso Estado. Antes quase havia acabado por 2 vezes.

Hoje em dia, ganha-se até cachê para tocar. Isto é importante, pois os integrantes estão sempre passando por sérias dificuldades financeiras. Mas por interesses de algumas pessoas, a banda já deu origem a outras duas bandas nos últimos 10 anos. Com a entrada de dinheiro, poder e status, parece que atraiu confusão. É muita gente querendo ser dono de banda de congo e mandar. A banda foi registrada e tem estatuto podendo captar recursos.

Assim a disputa pelo poder acabou formando outras bandas. O grande problema hoje é que tem muita gente querendo mandar no congo e os conguistas, percebendo essa realidade estão desgostando de participar.

O congo, em termos de auto estima do conguista, vive hoje o seu melhor momento sem dúvida, e atrai um bom número de turistas para a Barra. Apesar disto não beneficiar a todos da mesma forma, esse turismo não é predatório, até agora. Geralmente são estudantes, intelectuais e músicos.

Desde há muito tempo Portugal estabeleceu uma relação de poder com os negros, que se tem notícia desde o século XV, pois nessa época o negro das colônias africanas já ia ser escravo em Portugal, a Metrópole.

Daí é que vem o sentido de se ter um santo como São Benedito e uma santa como Nossa
Senhora do Rosário. O primeiro é a encarnação do Preto Velho de Angola, a segunda toma as formas de Iemanjá do culto afro e de Iara das águas, do culto indígena. Estes santos têm como papel principal identificar o seu público alvo em sua posição na escala social de subserviência.

Segundo Geraldo Pignaton, São Benedito foi um frade mouro, que foi tingido de preto para parecer com o Preto Velho de Angola. Ele era submisso aos padres do lugar. O negro sendo igual a ele, seria salvo, era só ser submisso em sua condição social.

Mas estes santos têm em sua criação um peso da mediação e resistência. Representam negros e índios que passam a querer e pressionar por santos seus na religião dominante e conseguem. São Benedito é, por exemplo, o único santo negro da igreja. Isto é sinal que apesar de todo o aparato ideológico e lendarização a que foi submetido, ele também é resultado da resistência negra, pois para os negros serem integrados, os poderosos tiveram que ceder e criar um santo negro. “São Benedito é milagroso, mas quem não segue as normas é castigado na hora.” Segundo o costume popular.

Segundo Kleber, a primeira festa de São Benedito de que se tem notícia na Barra do Jucu, com a fincada do mastro, ocorreu em 1975. O mastro tem um poder mágico para os participantes da festa que fazem vários pedidos e acreditam no poder do santo. O mastro é uma das manifestações lusobrasileiras mais antigas, sempre com esse poder mágico invocado e com uma bandeira com imagem de santo em seu alto, variando o santo e sua representação conforme a comunidade.

Segundo Geraldo, o congo da Barra é o somatório de pessoas que vieram de várias bandas diferentes, e cada banda tem uma batida diferente, dependendo de sua composição étnica. A da Barra foi sendo fundada por pessoas que iam saindo de lugares onde as bandas foram acabando, Jaguarussu, Itapuera, Palmeiras, etc, formando assim uma banda com grande variação de ritmos, sendo uma banda diferente das demais, que tinham uma batida definida. A banda da Barra catalisou o ritmo e a batida de várias bandas da região, fazendo assim um som bem característico e eclético.

O congo tem sua origem, segundo o professor Guilherme Santos Neves, da mistura entre brancos, negros e índios. Ele dá o pioneirismo aos índios que há muitos séculos já batiam seus guararás (tambores), esfregavam suas casacas, instrumento tipicamente indígena e do Espírito Santo e agitavam seus manacás (chocalhos). Depois começam a receber a influência dos negros na designação dos instrumentos, no ritmo, na dança, no nome da manifestação, na inclusão de novos instrumentos como a cuíca. O Português também influi, através da religiosidade católica e na forma de dança, além da própria língua.

Geraldo Pignaton destaca para nós que o congo se fortaleceu onde os jesuítas estiveram presentes, pois nessa época era parte da composição ideológica, como uma das poucas diversões da época. Nos aldeamentos e fazendas conviviam em maior ou menor grau de amizade ou proximidade, negros, índios e portugueses, todos com o seu lugar social pré-estabelecido. Daí deve ter surgido o congo das reduções jesuíticas. Os negros, como escravos, os índios como alma a ser salva e caçadores de escravos fugidos e os portugueses coordenando o sistema com mão de ferro.

Mas o congo sempre foi muito mais que uma diversão e uma reunião social. Servia, como já foi dito, como um jornal improvisado do local e como forma de reclamar e de formular revoltas. Alguns jongos (músicas do congo) mantêm essa característica até hoje.

Dependendo da composição étnica da banda, mais negra, mais índia que são os componentes centrais, o congo vai ter uma batida diferente.

Segundo Daniel e Geraldo, “Seu Honório” foi um homem muito importante para o congo. Ele previa as coisas, era um grande conhecedor das plantas medicinais, uma espécie de curandeiro local (pajé). Fazia uma pesquisa constante e tinha grande conhecimento dos ritmos do congo e das formas de fazer os instrumentos. Era exímio pescador e lá de Itapuera sabia quem estava e quem não estava tocando congo aqui na Barra, pois cada conguista tinha um jeito de tocar. Não deixava fazer pout-porri de músicas, tocar músicas com a mesma melodia em seqüência e tocar jongos que tivessem ligação com pontos de macumba. Era um grande mestre que vários entrevistados apontaram ser difícil de ser superado. Mestre Honório de Oliveira Amorim, junto com o Presidente Alcides Gomes da Silva eram a alma da banda. Os dois já falecidos, o primeiro em 1993 aos 78 anos e o segundo aos 94 anos em 1990.

Atualmente existem 3 bandas de congo na Barra do Jucu. A primeira, que segundo Geraldo, é histórica, é denominada hoje como a do Mestre Honório. Seu mestre atual é “Seu Daniel”, conguista de grande experiência com mais de 30 anos de congo. A segunda, do Mestre Alcides, se desmembrou da primeira após uma confusão ocorrida depois do caso Martinho da Vila e por interesse de algumas pessoas. Tem como mestre atualmente “Seu Zé Silva”, conguista há longa data e filho de “Seu Alcides”. Foi formada em 1990. E a Tambores de Jacaranema. Fundada em 2000, após uma dissidência no interior a Banda Mestre Honório, por causa da falta de prestação de conta, após o lançamento do CD da banda. Mestre Beto Pêgo, 13 anos de congo, resolve tirar seu grupo da banda, pois ele é que estava no poder na época da gravação do CD, a partir daí Danieléonovo mestre e é fundada a nova banda, Tambor de Jacarenema.

Este CD foi o primeiro de uma banda de congo a ser gravado e lançado no Espírito Santo, inserindo o folclore no mercado fonográfico local e divulgando ainda mais essa manifestação cultural. Após 1 ano e meio de seu lançamento, começaram a cobrar a prestação de contas, que ainda não havia sido feita com clareza pela antiga diretoria. Rolou dinheiro, começou a confusão.

No congo, o processo de mediação é intenso. Enquanto ele perde algumas características ancestrais, vai cedendo espaço a novas influências, dessa nova sociedade “globalizada” e as vai revertendo em seu benefício.

Os jongos vão perdendo aos poucos o improviso e vão ficando só os versos consagrado, outros vão se perdendo. O dinheiro e o poder vão subindo à cabeça. A utilização dos meios de comunicação e do mercado fonográfico, através de disco próprio e a gravação de suas músicas por artistas famosos que se utilizaram do ritmo para fazerem a divulgação massiva desta manifestação cultural, fizeram aumentar a auto estima dos componentes e o conhecimento da manifestação pelo povo em geral. As conguistas passaram a ser muito respeitadas em sua comunidade e a serem chamados para tocar em vários lugares, quase todas as semanas, atraindo um bom número de turistas para a região, principalmente no dia da Festa de São Benedito.

Os grupos de Música Pop., gravarem o ritmo do congo me parece interessante e ajuda na divulgação, valorização e renovação do congo. Mas com duas ressalvas, que estas pessoas participem ou pelo menos tenham um conhecimento mínimo sobre esta manifestação e se começarem a ganhar um bom dinheiro, revertam parte em projetos que beneficiem os conguistas, que são pessoas economicamente carentes e têm o congo como uma das suas poucas diversões. Oficinas de musica, apresentações gratuitas, lutar pela formação de associações de bandas, entre outras alternativas, são bem vindas.

O congo tem um papel muito importante nessa nova sociedade, merecendo ser estudado com grande cuidado. Na sociedade “globalizada” e capitalista, a pressão é pela homogeneização cultural e o congo é uma resistência a essa pressão. Uma força da resistência nessa sociedade, que deve ser muito bem estudada.

Homero Bonadiman Galvêas, filho do pintor capixaba Kleber Galvêas, é historiador autor do livro A história da Barra do Jucu: Gênese da Cultura Capixaba - Desenvolvimento Sócio Cultural da Grande Vitória.

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